Regressando ao tema da queda recente das cotações de referência do petróleo bruto e na sequência da parte final do meu último artigo, recomendo a leitura da apresentação Saudi Arabia’s Oil Policy in Uncertain Times: A Shift in Paradigm?, feita por Bassam Fattouh, do Oxford Institute for Energy Studies, que analisa a inacção da Arábia Saudita (AS) face a esta forte queda na cotação do crude, estruturando em 2 grandes blocos as potenciais causas por trás da estratégia saudita:
1. Razões de ordem económica
- A AS poderá ter interesse económico de longo prazo em ter um preço de crude mais baixo, que reduza o incentivo ao desenvolvimento de alternativas disruptivas à produção convencional. No entanto, os sinais dados nos últimos anos ao mercado não vão neste sentido.
- A AS está disposta a tolerar preços mais baixos no sentido de garantir quota de mercado e pressionar oferta iraniana e iraquiana, tendo capacidade económica para lidar com défices orçamentais temporários. No entanto, esta estratégia conduz a menores receitas absolutas, pelo que numa análise estritamente económica faz pouco sentido.
- A AS sente-se impotente perante esta queda de preços, considerando que a melhor solução passa por deixar o mercado decidir o seu caminho e continuar a satisfazer os seus clientes.
- O crude saudita é tipicamente um crude pesado (entenda-se crude que após destilação dará origem maioritariamente a gasóleo e fuéis) ao passo que os excedentes no mercado, por via do aumento de produção dos EUA, são de crudes leves/condensados, que originam em maior proporção GPL e naftas. Retirar crude saudita do mercado não resolveria os desequilíbrios de balanço existentes.
2. Razões de ordem política
- A AS pode ter como objectivo colocar pressão sobre os orçamentos da Rússia e Irão, dois produtores com interesses estratégicos na região do Médio Oriente, que os poderá obrigar a rever as suas opções geopolíticas. A suceder seria a primeira vez desde o embargo de 1973 que a AS usaria a sua produção como arma política, pelo que parece pouco provável.
- A AS vê nesta queda do preço uma oportunidade para provocar um abrandamento da produção nos EUA, principal responsável pelo excesso de oferta existente no mercado.
- Após alguns anos de falta de coesão na OPEP, a AS pode ter optado por aproveitar esta queda dos preços para pressionar o cartel e forçar o regresso a um período de maior disciplina. A suportar esta opção estão afirmações recentes de responsáveis sauditas, criticando os restantes membros e manifestando estarem determinados a terminar com a sua posição de fiel da balança. No entanto, dada a pressão orçamental de vários membros, preços mais baixos apenas deverão conduzir a menor disciplina e incumprimento do sistema de quotas.
Mais do que respostas, ficam dúvidas e perguntas que o tempo deverá ser capaz de esclarecer.
Energy

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sexta-feira, 31 de outubro de 2014
quarta-feira, 22 de outubro de 2014
Quo vadis, Brent?
A cotação do Brent tem vindo a cair deste Julho, estando já nos $85/bbl, como se pode ver no gráfico abaixo (fonte quartz.com).
Esta queda de 20% no valor da principal referência indexante do petróleo bruto colocou os mercados financeiros em ebulição, com os analistas do sector a discutir as causas e consequências desta acelerada descida.

De uma forma simples e muito qualitativa esta tendência coloca pressão nos investimentos em curso em todo o mundo para manter/aumentar a produção petrolífera. Sendo a cotação do crude, tirando-lhe o ruído de fundo dos investimentos especuladores, um reflexo da oferta e procura, o mercado abastece-se da oferta mais barata para a mais cara e isso tinha colocado o preço do crude em cerca de $100/bbl nos últimos anos.
Então o que terá provocado tal queda? Aparentemente um crescimento inferior ao esperado da economia mundial, com impacto directo no consumo de crude, e um aumento superior ao previsto da produção, fortemente justificado pela explosão da produção nos EUA nos últimos 3 anos, responsável pela maioria do aumento de produção mundial neste período.
Principais consequências dos actuais preços, caso se prolonguem no tempo?
1. Redução/suspensão de vários investimentos de Oil & Gas, dos mais caros para os mais baratos. A revisão das projecções da procura mundial levará a uma redução das necessidades futuras de produção de crude que deixará de fora do mercado as produções mais caras. Porque não existe uma visão concertada do mercado mundial, a retracção nos investimentos tenderá a ser superior à matematicamente necessária, dada a incerteza das variáveis em análise e o comportamento tipicamente conservador dos agentes económicos (ou seja, assumirem como naturais as referências macroeconómicas vigentes), o que deverá dar origem a novo ciclo altista quando a procura recuperar e não for acompanhada pela produção. Este é o ciclo natural das commodities se a realidade geopolítica não decidir distorcer o business as usual...
2. Pressão orçamental em muitos países produtores de petróleo - Ora se há sector de actividade fortemente condicionado pela realidade geopolítica, é o da energia e em especial o do petróleo bruto. Preços do Brent inferiores a 80$/bbl vão colocar uma enorme pressão sobre regimes cujos orçamentos são maioritariamente financiados pelas receitas petrolíferas (e muitos deles, como a Venezuela ou o Irão, com défices orçamentais estruturais).
3. Redução dos défices comerciais de países consumidores - Por outro lado, são muitas as nações/blocos que saem beneficiados pela queda dos custos energéticos - desde já a União Europeia, quer em termos geoestratégicos pela fragilização da posição negocial russa, cujo orçamento de estado tem uma enorme dependência das suas receitas de Oil&Gas, quer em termos económicos pela diminuição da factura energética, que poderá permitir ganhar umas décimas no crescimento do PIB e aliviar a pressão económica e social existentes em vários estados-membro. Os EUA serão provavelmente o principal vencedor no curto prazo, pois são agentes relevantes quer em termos produtivos quer como consumidores. Afinal de contas, foi o aumento da sua produção que provocou este abanão no xadrez energético mundial (a Quartz fez uma análise interessante sobre este tema, que podem ler aqui). No entanto, um período muito longo de preços deprimidos deverá conduzir a redução dos novos investimentos em curso nos EUA e pôr em causa o novo equilíbrio energético do país.
Existe ainda um terceiro elemento que parece estar a tentar tirar partido deste novo enquadramento, a Arábia Saudita. O custo unitário da produção saudita é dos mais baixos e mais amortizados do mundo. Se há produtor que pode viver alguns anos com preços baixos do crude, desde que reequilibrando o seu orçamento, são os sauditas. Podemos ver no gráfico abaixo - retirado de um documento do Arab Petroleum Investments Corporation disponível aqui - que, tirando pequenos estados da Península Arábica (tipicamente seus aliados) e Angola, a Arábia Saudita apresenta o mais baixo breakeven fiscal entre membros da OPEP.
Além do mais, importa perceber os fortes investimentos realizados pelos sauditas nos últimos anos em refinação e petroquímica, que os tornaram muito mais que um mero fornecedor de crude, sendo hoje um player verticalmente integrado na cadeia do petróleo bruto.
Não será de estranhar que tentem encostar à parede os seus grandes rivais regionais, o Irão, podendo em simultâneo colocar tanta pressão do lado produtivo que acabem por provocar o adiamento de investimentos não convencionais, nomeadamente óleo de xisto - não só nos EUA (ver este artigo na Forbes e este no FT) mas na Argentina e China, que detêm duas das maiores reservas mundiais - e areias betuminosas, que requerem forte Capex (investimento inicial) e apresentam custos marginais relativamente altos.
Como o consumo mundial está em permanente crescimento, resta perceber quanto aumento de produção irá esta queda do crude retardar e que aumento do crescimento económico irá ela potenciar para se saber quanto voltará o preço do crude a subir. Podem ser alguns meses ou 2 ou 3 anos...
Esta queda de 20% no valor da principal referência indexante do petróleo bruto colocou os mercados financeiros em ebulição, com os analistas do sector a discutir as causas e consequências desta acelerada descida.

De uma forma simples e muito qualitativa esta tendência coloca pressão nos investimentos em curso em todo o mundo para manter/aumentar a produção petrolífera. Sendo a cotação do crude, tirando-lhe o ruído de fundo dos investimentos especuladores, um reflexo da oferta e procura, o mercado abastece-se da oferta mais barata para a mais cara e isso tinha colocado o preço do crude em cerca de $100/bbl nos últimos anos.
Então o que terá provocado tal queda? Aparentemente um crescimento inferior ao esperado da economia mundial, com impacto directo no consumo de crude, e um aumento superior ao previsto da produção, fortemente justificado pela explosão da produção nos EUA nos últimos 3 anos, responsável pela maioria do aumento de produção mundial neste período.
Principais consequências dos actuais preços, caso se prolonguem no tempo?
1. Redução/suspensão de vários investimentos de Oil & Gas, dos mais caros para os mais baratos. A revisão das projecções da procura mundial levará a uma redução das necessidades futuras de produção de crude que deixará de fora do mercado as produções mais caras. Porque não existe uma visão concertada do mercado mundial, a retracção nos investimentos tenderá a ser superior à matematicamente necessária, dada a incerteza das variáveis em análise e o comportamento tipicamente conservador dos agentes económicos (ou seja, assumirem como naturais as referências macroeconómicas vigentes), o que deverá dar origem a novo ciclo altista quando a procura recuperar e não for acompanhada pela produção. Este é o ciclo natural das commodities se a realidade geopolítica não decidir distorcer o business as usual...
2. Pressão orçamental em muitos países produtores de petróleo - Ora se há sector de actividade fortemente condicionado pela realidade geopolítica, é o da energia e em especial o do petróleo bruto. Preços do Brent inferiores a 80$/bbl vão colocar uma enorme pressão sobre regimes cujos orçamentos são maioritariamente financiados pelas receitas petrolíferas (e muitos deles, como a Venezuela ou o Irão, com défices orçamentais estruturais).
3. Redução dos défices comerciais de países consumidores - Por outro lado, são muitas as nações/blocos que saem beneficiados pela queda dos custos energéticos - desde já a União Europeia, quer em termos geoestratégicos pela fragilização da posição negocial russa, cujo orçamento de estado tem uma enorme dependência das suas receitas de Oil&Gas, quer em termos económicos pela diminuição da factura energética, que poderá permitir ganhar umas décimas no crescimento do PIB e aliviar a pressão económica e social existentes em vários estados-membro. Os EUA serão provavelmente o principal vencedor no curto prazo, pois são agentes relevantes quer em termos produtivos quer como consumidores. Afinal de contas, foi o aumento da sua produção que provocou este abanão no xadrez energético mundial (a Quartz fez uma análise interessante sobre este tema, que podem ler aqui). No entanto, um período muito longo de preços deprimidos deverá conduzir a redução dos novos investimentos em curso nos EUA e pôr em causa o novo equilíbrio energético do país.
Existe ainda um terceiro elemento que parece estar a tentar tirar partido deste novo enquadramento, a Arábia Saudita. O custo unitário da produção saudita é dos mais baixos e mais amortizados do mundo. Se há produtor que pode viver alguns anos com preços baixos do crude, desde que reequilibrando o seu orçamento, são os sauditas. Podemos ver no gráfico abaixo - retirado de um documento do Arab Petroleum Investments Corporation disponível aqui - que, tirando pequenos estados da Península Arábica (tipicamente seus aliados) e Angola, a Arábia Saudita apresenta o mais baixo breakeven fiscal entre membros da OPEP.
Além do mais, importa perceber os fortes investimentos realizados pelos sauditas nos últimos anos em refinação e petroquímica, que os tornaram muito mais que um mero fornecedor de crude, sendo hoje um player verticalmente integrado na cadeia do petróleo bruto.
Não será de estranhar que tentem encostar à parede os seus grandes rivais regionais, o Irão, podendo em simultâneo colocar tanta pressão do lado produtivo que acabem por provocar o adiamento de investimentos não convencionais, nomeadamente óleo de xisto - não só nos EUA (ver este artigo na Forbes e este no FT) mas na Argentina e China, que detêm duas das maiores reservas mundiais - e areias betuminosas, que requerem forte Capex (investimento inicial) e apresentam custos marginais relativamente altos.
Como o consumo mundial está em permanente crescimento, resta perceber quanto aumento de produção irá esta queda do crude retardar e que aumento do crescimento económico irá ela potenciar para se saber quanto voltará o preço do crude a subir. Podem ser alguns meses ou 2 ou 3 anos...
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