Energy

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sexta-feira, 21 de novembro de 2014

2014: mais um passo em direcção ao mercado global de gás natural?

A Comissão Europeia lançou recentemente mais um relatório trimestral de acompanhamento dos mercados de gás natural (com mais enfoque, naturalmente, no espaço europeu). São textos que merecem a atenção de quem quer acompanhar a evolução da indústria do gás natural pois, na minha opinião, fazem uma análise consistente e que equilibra bem os aspectos e racionais económicos com os políticos.

Neste último relatório há a realçar os seguintes aspectos:
  • Consumo em 2014 caiu significativamente devido, essencialmente, aos números muito modestos da evolução da economia bem como a um Inverno 2013/2014 particularmente ameno.
  • A depressão da procura teve as repercussões esperadas nos preços com quedas significativas em especial nos preços determinados em mercado (gas-to-gas) constatando-se inclusive uma convergência com o preço americano que se tem mantido estável.
  • Os preços do GNL na Ásia observaram igualmente uma queda (menos 20% a 30%) que é explicada com uma estagnação do consumo por parte do Japão que tem feito um esforço para diversificar as suas fontes primárias de energia e reduzir a sua dependência do gás natural.
  • A redução da procura amenizou significativamente os efeitos da crise na Ucrânia. Os países europeus terão aproveitado a acalmia dos preços para repor os stocks de gás sendo essa a explicação encontrada para os níveis de importação significativos de gás russo na primeira metade de 2014.
  • Continuação dos diferenciais crónicos entre países europeus no que toca a preços finais ao consumidor: atingem um rácio de 4 no sector residencial e um rácio de 2 no sector industrial.
  • Continuação do decréscimo de importações de GNL na Europa ainda que a um ritmo inferior ao do ano passado. Os únicos países a registarem um aumento significativo de importações são Espanha e Holanda mas deve assinalar-se que a esmagadora maioria desse gás foi reexportado para outros mercados (nomeadamente a Ásia) sendo o saldo importador (importações – exportações) bastante inferior.
  • Continua a verificar-se um aumento de volumes de gás transaccionados nos hubs europeus tendo o 53% consumo de gás em 2013 sido adquirido em mercado no ano de 2013.


Sem dúvida a acalmia na volatilidade a par de uma descida do nível dos preços spot de gás natural contribuíram decisivamente para os agentes procurarem abastecerem-se nos mercados evitando aos contratos indexados ao preço do crude que actualmente apresentam preços significativamente superiores. O maior fornecedor da Europa - a Rússia - apenas fornece gás por contratos de médio/longo prazo indexados ao crude ou a um cabaz de combustíveis onde o crude tem um efeito preponderante. A crescente desconfiança em relação à Rússia (não só da Europa como também da China) joga contra a estratégia da Rússia em abastecer os seus clientes com base em contratos de médio e longo prazo mesmo que garantindo continuidade de abastecimento. Existe um esforço para limitar a dependência em relação à Rússia uma vez que se tornou claro que esta aparenta querer exercer uma influência política à custa da dependência dos seus clientes.

A crescente liquidez dos mercados e desenvolvimento de infra-estruturas facilitadoras das trocas comerciais (hubs reais e virtuais, interligações e capacidade de liquefação e regaseificação) também contribuiu para uma maior apetência pelas transacções gas-to-gas. Na minha análise, caso os preços se mantenham estáveis e a procura venha a apresentar crescimentos moderados e sustentados estariam criadas as condições para a maximização do papel dos mercados no abastecimento de gás natural na Europa e mesmo a nível dos países ocidentais. Já na Ásia, segundo nos conta este estudo do Oxford Institute for Energy Studies, apesar dos preços elevados dos últimos anos, não parece haver grande interesse em estabelecer plataformas de mercado naquela região.




Um facto curioso a salientar é o facto de o preço médio do GNL importado apresentar variações significativas de país para país dentro da Europa comunitária.


Se em Espanha, França e Grécia o preço ronda os 31€/MWh já em Itália rondou os 25€/MWh e no Reino unido e Bélgica situou-se em torno dos 22€/MWh. Uma das explicações que surge para esta discrepância pode ser o facto de uns países terem capacidade de reexportação e portanto poderem revender gás para os mercados asiáticos onde o preço é mais elevado e isso justificar comprar gás mais caro do que o disponível por outras fontes de fornecimento alternativas. Os países sem capacidade de reexportação só importariam gás para consumo interno pelo que o preço teria de estar mais alinhado com o preço transfronteiriço ou de hub. Os países sem capacidade de reexportação são Reino Unido, Itália e Grécia e nestes, de facto, o preço do GNL encontra-se alinhado com pelo menos um dos preços transfronteiriços ou de hub. No caso dos países com capacidade de reexportação referidos (Espanha, França e Bélgica), só a Bélgica parece ser um caso estranho com preço médio de GNL muito abaixo de Espanha e França o que só faz sentido se a Bélgica não tivesse feito qualquer negócio de reexportação durante a primeira metade de 2014. Fica a dúvida...

domingo, 16 de novembro de 2014

Quem ganha com um crude mais barato?

Num cenário teórico perfeito, em que a informação sobre o passado, presente e futuro é total, a incerteza não existe e a oferta e procura equivalem-se permanentemente, impedindo a formação de bolhas produtivas e respectivos rebentamentos. No entanto, a economia não funciona dessa forma. Quando o mercado identifica necessidades futuras de produção face às projecções de consumo disponíveis, não tem conhecimento real de análises semelhantes feitas por outros operadores, tendendo a fazer estimativas optimistas de investimento. Quando toda essa capacidade adicional entrar em produção, muitas vezes aliada a uma redução do consumo pela subida do preço decorrente da escassez de oferta ocorrida nos anos anteriores, o preço do bem tende a cair, atingindo um novo equilíbrio entre oferta e procura. É nessa fase em que nos encontramos.
Posto isto, quem ganha com um crude mais barato?

No curto prazo, todos os consumidores. A queda do preço do crude significa que os países deficitários neste recurso natural ou noutros recursos que estejam de um modo ou outro indexados ao crude vão transferir menos dinheiro para os países produtores. Entre os principais beneficiários, em termos geopolíticos, estarão a Europa, o Japão e a China, os dois primeiros com economias anémicas e precisarem urgentemente de um estímulo como este e o terceiro a dar alguns sinais de abrandamento nos últimos meses. Existe uma correlação conhecida e muito estudada entre diferenciais de custos energéticos e de crescimento da economia, hoje com um impacto menor pela redução da intensidade energética das economias ocidentais (em boa parte pelo outsourcing da indústria pesada para outras paragens).
No entanto, em virtude dos anticorpos gerados pelos combustíveis fósseis na Europa nos últimos 20 anos e apesar da importância económica e até estratégica que esta mudança tem, existe um enorme pudor dos agentes políticos e dos media em salientar as vantagens deste novo paradigma (mesmo que recente e sem duração conhecida).
Uma explicação para este silêncio poderá prender-se com os compromissos da política energética e ambiental europeia, com metas exigentes cujos custos tenderão a agravar-se com a queda do crude. Caso estes preços se mantenham durante 2 ou 3 anos será difícil explicar aos cidadãos de economias deprimidas que se prefiram opções energéticas com custos agravados para os consumidores, penalizando o crescimento económico em nome da sustentabilidade ambiental (num mundo excedentário em crude ou gás natural a questão da segurança de abastecimento também perde relevância). A defesa das opções renováveis fica mais difícil com o aumento da fatura associada e os fundamentalistas verdes tenderão a resguardar-se, esperando pela próxima escalada de preço - que, garanto-vos, sucederá - para voltar a atacar.

A longo prazo, e como se pode perceber pela introdução feita, poucos poderão dizer que tiraram proveito desta queda. A manter-se por um período relevante nos calendários de investimento do setor petrolífero, provocará redução de investimento, agravando os défices de produção projectados de 2020 em diante. É importante compreender que numa indústria de capital intensivo, não é o facto de se saber que a procura vai existir a 5-10 anos que permite fazer face às necessidades financeiras de curto prazo pois a capacidade de captação de investimento fica condicionada pelos rácios de dívida. Num cenário destes, a actividade irá mesmo abrandar. Devido à falta de informação estruturada existente - mais crítico hoje devido ao maior peso no consumo mundial de países emergentes, muitas vezes com dados estatísticos menos completos - não há grande capacidade de antevisão de balanços globais, sendo normalmente o último número conhecido o mais fiável como estimativa. Da mesma forma que caiu $30 por barril em 3 meses, a cotação do crude poderá subir ao mesmo ritmo num futuro próximo, provocando um novo choque petrolífero. Nessa altura, qualquer investimento no sentido de aumentar produção levará vários anos a realizar, como podemos comprovar pelos números da última década.

terça-feira, 4 de novembro de 2014

Mercados Europeus de Electricidade – Estado da Arte 2014

A Cap Gemini lançou recentemente o seu relatório anual “European Energy Markets Observatory” cujo editorial pode ser consultado aqui.

Na análise aos mercados europeus de electricidade o relatório refere os seguintes problemas:
  • “Situação caótica” com inúmeros episódios de preços negativos. Tal ficou a dever-se a excesso de oferta originada pelas fontes renováveis e por rigidez de algumas fontes de energia (principalmente nuclear e térmicas de origem fóssil). No caso das renováveis, os preços negativos são originados pelo facto de existir um preço garantido pela energia produzida o que leva os produtores a estarem dispostos a pagar para produzir desde que o preço (negativo) de mercado não ultrapasse o valor recebido por MWh produzido. Mais sobre este assunto aqui.
  • Encerramento de um número significativo de centrais a gás natural que haviam sido construídas numa lógica de segurança de abastecimento.
  • Poucos incentivos de mercado para realização de investimentos em soluções sem carbono.
  • Subida dos preços ao consumidor.
  • Deterioração da situação financeira de algumas utilities, nomeadamente as ligadas ao gás natural.


As causas apuradas para esta situação são:
  • Metas de penetração de renováveis demasiado elevadas. Com apenas 7% da população mundial, a Europa investiu cerca de 500 mil milhões de euros em energias renováveis entre 2004 e 2013 – cerca de metade do investimento mundial em energias renováveis. Como consequência, as fontes renováveis na produção de electricidade ascendem actualmente a quase 25% no mix de produção.
  • Tarifas feed-in muito generosas para subsidiação de fontes renováveis. O sobrecusto gerado por esta subsidiação implicou e continuará a implicar uma subida do preço final da electricidade. O caso mais emblemático é o de Espanha onde o défice tarifário ascende a quase 30 mil milhões de euros apesar das subidas já efectuadas nas tarifas.
  • Decréscimo no consumo de energia: -0,5% na electricidade e -1,4% no gás em 2013
  • Excesso de emissões de licenças de CO2 (superavit de 2.1 mil milhões de licenças) o que conduziu a preços muito baixos.


Como resposta à situação, as instituições europeias consideram:
  • Flexibilizar as metas de energias renováveis pondo mais ênfase na eficiência energética para redução das emissões de CO2
  • Passar de um sistema de tarifas feed-in para soluções baseadas na competitividade e a uma maior exposição aos preços de mercado. 
  • Aliviar os sectores energia intensiva do fardo criado pelas renováveis o que implica que a factura sobrará para os restantes consumidores. 
  • Introdução de mecanismos de remuneração de capacidade com vista a garantia de potência.


Estas medidas visam a redução dos custos com objectivos ambientais, diminuir a dependência energética e garantir a segurança de abastecimento.

Resta saber até quando e até que ponto governos e reguladores conseguirão manter o ímpeto reformista necessário para resolver os desequilíbrios gerados com (espera-se) um mínimo de socialização dos custos.