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domingo, 21 de dezembro de 2014

Equívocos comuns na análise da queda do crude

Os mercados são por definição alérgicos à incerteza. Não saber o que vai acontecer amanhã deixa os investidores nervosos, retraídos, com tendência para guardar o dinheiro debaixo do colchão. Não da Pikolin mas quase, pois acaba por ir parar habitualmente à dívida de países com economias seguras, como a Alemanha, com retornos perto do zero. Esta é, a meu ver, a principal consequência negativa da queda acelerada do preço do crude, que está a abalar fortemente a economia dos países produtores, em especial daqueles com economias muito pouco diversificadas e com execuções orçamentais completamente dependentes desta variável exógena. Os agentes económicos, em especial em áreas de investimento de longo prazo, precisam de estabilidade que lhes permita ter garantias  de retorno. Quando ela não existe, muitos investimentos são suspensos (apenas para serem retomados alguns anos depois, quando o vento mudar). Em síntese, incerteza=>risco=>redução do investimento=>recessão.

Mas este é apenas um dos lados da moeda. Em primeiro lugar há que compreender as causas para esta queda do preço do crude e elas não estão apenas do lado da procura, que poderia significar uma retracção súbita da economia mundial. Boa parte do contributo para o desequilíbrio entre oferta e procura deveu-se ao forte aumento não totalmente previsto da produção nos EUA a partir do óleo/gás de xisto. Este aumento nada teve a ver com tendências recessivas, foi puro desenvolvimento tecnológico que, pela abundância gerada, permitiu baixar o custo da energia. E isso é estruturalmente bom para a economia global. Se nos perguntarem se preferimos o crude a $10/bbl ou a $200/bbl (não tendo em conta as previsíveis consequências futuras nos investimentos do sector) a nossa resposta parece óbvia. Por isso, qual é o drama? Claro que partes relevantes da economia estão a ser abaladas por esta queda, em especial nos países produtores (como já referi acima) e em todo o sector relacionado com a exploração e produção destas matérias-primas. Para muitas empresas portuguesas pode ser negativo pela acrescida exposição à economia angolana, por exemplo. Mas a grande maioria dos sectores de actividade são afectados positivamente por esta queda do custo da energia. Se a queda do crude pode estar parcialmente relacionada com alguma retracção económica, um custo energético mais baixo apenas pode potenciar crescimento económico face ao cenário base. Os países importadores de energia vão poupar triliões de dólares que ficarão disponíveis para investimento em outros sectores.

 Se há algo de preocupante em relação a esta queda do preço do crude, não são as consequências imediatas da mesma mas o facto de esta não ser sustentável. Estruturalmente, a longo prazo e tendo em conta o custo médio de exploração em novos locais, o crude deverá andar em torno dos $100/bbl. Um período anormal de preço mais abaixo vai provocar o atraso em investimentos fundamentais para o futuro do aprovisionamento e, em simultâneo, um atraso nos investimentos em alternativas pois o crude barato é como um eucalipto que seca tudo à sua volta. Muitos investimentos em curso serão suspensos, o que deverá potenciar uma escalada a médio prazo que acabará por levar o crude para valores muito superiores aos $100/bbl, com as consequências sociais e políticas de tais variações. O que hoje sofrem os países produtores voltarão a sofrer os consumidores (e em especial a UE) dentro de alguns anos, quando a procura mundial engolir os excedentes actuais.

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