Num cenário teórico perfeito, em que a informação sobre o passado, presente e futuro é total, a incerteza não existe e a oferta e procura equivalem-se permanentemente, impedindo a formação de bolhas produtivas e respectivos rebentamentos. No entanto, a economia não funciona dessa forma. Quando o mercado identifica necessidades futuras de produção face às projecções de consumo disponíveis, não tem conhecimento real de análises semelhantes feitas por outros operadores, tendendo a fazer estimativas optimistas de investimento. Quando toda essa capacidade adicional entrar em produção, muitas vezes aliada a uma redução do consumo pela subida do preço decorrente da escassez de oferta ocorrida nos anos anteriores, o preço do bem tende a cair, atingindo um novo equilíbrio entre oferta e procura. É nessa fase em que nos encontramos.
Posto isto, quem ganha com um crude mais barato?
No curto prazo, todos os consumidores. A queda do preço do crude significa que os países deficitários neste recurso natural ou noutros recursos que estejam de um modo ou outro indexados ao crude vão transferir menos dinheiro para os países produtores. Entre os principais beneficiários, em termos geopolíticos, estarão a Europa, o Japão e a China, os dois primeiros com economias anémicas e precisarem urgentemente de um estímulo como este e o terceiro a dar alguns sinais de abrandamento nos últimos meses. Existe uma correlação conhecida e muito estudada entre diferenciais de custos energéticos e de crescimento da economia, hoje com um impacto menor pela redução da intensidade energética das economias ocidentais (em boa parte pelo outsourcing da indústria pesada para outras paragens).
No entanto, em virtude dos anticorpos gerados pelos combustíveis fósseis na Europa nos últimos 20 anos e apesar da importância económica e até estratégica que esta mudança tem, existe um enorme pudor dos agentes políticos e dos media em salientar as vantagens deste novo paradigma (mesmo que recente e sem duração conhecida).
Uma explicação para este silêncio poderá prender-se com os compromissos da política energética e ambiental europeia, com metas exigentes cujos custos tenderão a agravar-se com a queda do crude. Caso estes preços se mantenham durante 2 ou 3 anos será difícil explicar aos cidadãos de economias deprimidas que se prefiram opções energéticas com custos agravados para os consumidores, penalizando o crescimento económico em nome da sustentabilidade ambiental (num mundo excedentário em crude ou gás natural a questão da segurança de abastecimento também perde relevância). A defesa das opções renováveis fica mais difícil com o aumento da fatura associada e os fundamentalistas verdes tenderão a resguardar-se, esperando pela próxima escalada de preço - que, garanto-vos, sucederá - para voltar a atacar.
A longo prazo, e como se pode perceber pela introdução feita, poucos poderão dizer que tiraram proveito desta queda. A manter-se por um período relevante nos calendários de investimento do setor petrolífero, provocará redução de investimento, agravando os défices de produção projectados de 2020 em diante. É importante compreender que numa indústria de capital intensivo, não é o facto de se saber que a procura vai existir a 5-10 anos que permite fazer face às necessidades financeiras de curto prazo pois a capacidade de captação de investimento fica condicionada pelos rácios de dívida. Num cenário destes, a actividade irá mesmo abrandar. Devido à falta de informação estruturada existente - mais crítico hoje devido ao maior peso no consumo mundial de países emergentes, muitas vezes com dados estatísticos menos completos - não há grande capacidade de antevisão de balanços globais, sendo normalmente o último número conhecido o mais fiável como estimativa. Da mesma forma que caiu $30 por barril em 3 meses, a cotação do crude poderá subir ao mesmo ritmo num futuro próximo, provocando um novo choque petrolífero. Nessa altura, qualquer investimento no sentido de aumentar produção levará vários anos a realizar, como podemos comprovar pelos números da última década.
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