A Comissão Europeia lançou
recentemente mais um relatório trimestral de acompanhamento dos mercados de gás natural (com mais enfoque, naturalmente, no espaço europeu). São textos que
merecem a atenção de quem quer acompanhar a evolução da indústria do gás natural
pois, na minha opinião, fazem uma análise consistente e que equilibra bem os
aspectos e racionais económicos com os políticos.
Neste último relatório há a realçar
os seguintes aspectos:
- Consumo em 2014 caiu significativamente devido, essencialmente, aos números muito modestos da evolução da economia bem como a um Inverno 2013/2014 particularmente ameno.
- A depressão da procura teve as repercussões esperadas nos preços com quedas significativas em especial nos preços determinados em mercado (gas-to-gas) constatando-se inclusive uma convergência com o preço americano que se tem mantido estável.
- Os preços do GNL na Ásia observaram igualmente uma queda (menos 20% a 30%) que é explicada com uma estagnação do consumo por parte do Japão que tem feito um esforço para diversificar as suas fontes primárias de energia e reduzir a sua dependência do gás natural.
- A redução da procura amenizou significativamente os efeitos da crise na Ucrânia. Os países europeus terão aproveitado a acalmia dos preços para repor os stocks de gás sendo essa a explicação encontrada para os níveis de importação significativos de gás russo na primeira metade de 2014.
- Continuação dos diferenciais crónicos entre países europeus no que toca a preços finais ao consumidor: atingem um rácio de 4 no sector residencial e um rácio de 2 no sector industrial.
- Continuação do decréscimo de importações de GNL na Europa ainda que a um ritmo inferior ao do ano passado. Os únicos países a registarem um aumento significativo de importações são Espanha e Holanda mas deve assinalar-se que a esmagadora maioria desse gás foi reexportado para outros mercados (nomeadamente a Ásia) sendo o saldo importador (importações – exportações) bastante inferior.
- Continua a verificar-se um aumento de volumes de gás transaccionados nos hubs europeus tendo o 53% consumo de gás em 2013 sido adquirido em mercado no ano de 2013.
Sem dúvida a acalmia na volatilidade
a par de uma descida do nível dos preços spot
de gás natural contribuíram decisivamente para os agentes procurarem
abastecerem-se nos mercados evitando aos contratos indexados ao preço do crude que
actualmente apresentam preços significativamente superiores. O maior fornecedor
da Europa - a Rússia - apenas fornece gás por contratos de médio/longo prazo
indexados ao crude ou a um cabaz de combustíveis onde o crude tem um efeito
preponderante. A crescente desconfiança em relação à Rússia (não só da Europa
como também da China) joga contra a estratégia da Rússia em abastecer os seus
clientes com base em contratos de médio e longo prazo mesmo que garantindo continuidade
de abastecimento. Existe um esforço para limitar a dependência em relação à
Rússia uma vez que se tornou claro que esta aparenta querer exercer uma
influência política à custa da dependência dos seus clientes.
A crescente liquidez dos mercados e
desenvolvimento de infra-estruturas facilitadoras das trocas comerciais (hubs reais e virtuais, interligações e
capacidade de liquefação e regaseificação) também contribuiu para uma maior
apetência pelas transacções gas-to-gas.
Na minha análise, caso os preços se mantenham estáveis e a procura venha a
apresentar crescimentos moderados e sustentados estariam criadas as condições
para a maximização do papel dos mercados no abastecimento de gás natural na
Europa e mesmo a nível dos países ocidentais. Já na Ásia, segundo nos conta
este estudo do Oxford Institute for Energy Studies, apesar dos preços elevados
dos últimos anos, não parece haver grande interesse em estabelecer plataformas
de mercado naquela região.
Um facto curioso a salientar é o
facto de o preço médio do GNL importado apresentar variações significativas de
país para país dentro da Europa comunitária.
Se em Espanha, França e Grécia o preço ronda os 31€/MWh já em
Itália rondou os 25€/MWh e no Reino unido e Bélgica situou-se em torno dos
22€/MWh. Uma das explicações que surge para esta discrepância pode ser o facto
de uns países terem capacidade de reexportação e portanto poderem revender gás
para os mercados asiáticos onde o preço é mais elevado e isso justificar
comprar gás mais caro do que o disponível por outras fontes de fornecimento
alternativas. Os países sem capacidade de reexportação só importariam gás para
consumo interno pelo que o preço teria de estar mais alinhado com o preço transfronteiriço
ou de hub. Os países sem capacidade
de reexportação são Reino Unido, Itália e Grécia e nestes, de facto, o preço do
GNL encontra-se alinhado com pelo menos um dos preços transfronteiriços ou de hub. No caso dos países com capacidade
de reexportação referidos (Espanha, França e Bélgica), só a Bélgica parece ser
um caso estranho com preço médio de GNL muito abaixo de Espanha e França o que só faz
sentido se a Bélgica não tivesse feito qualquer negócio de reexportação durante
a primeira metade de 2014. Fica a dúvida...
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