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segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Exploração de Recursos naturais vs. Direitos dos Povos Indígenas

A propósito desta notícia parece-me interessante discutir sobre o direito ao controlo dos recursos minerais por parte de populações indigenas.
Sem me alongar muito na explicação da situação (podem ler sobre a mesma aqui e aqui), trata-se de um conflito entre Marrocos e o povo Sarahaui que se prende com a titularidade dos recursos naturais do Sahara Ocidental (estima-se que existam grandes reservas de petróleo nesta faixa de território).
Basicamente este conflito emerge uma vez que o Sahara Ocidental têm o estatuto de “Território Não Autónomo” o que o deixa numa zona “cinzenta” em termos de jurisdição sobre o seu território. Se por um lado o Governo Marroquino (que ocupa o território desde 1975 aquando da retirada de Espanha) considera que têm jurisdição sobre este território, por outro lado o povo Sarahaui (enquanto população indigena originária e residente neste mesmo território) considera que este território está ilegalmente ocupado e luta, há vários anos, pela independencia do seu território.
Juridicamente, o significado do estatuto de “Território Não Autónomo”  está plasmado no Artigo 73.º e 74.º da Carta das Nações Unidas que refere que:
Artigo 73
 
Os membros das Nações Unidas que assumiram ou assumam responsabilidades pela administração de territórios cujos povos ainda não se governem completamente a si mesmos reconhecem o princípio do primado dos interesses dos habitantes desses territórios e aceitam, como missão sagrada, a obrigação de promover no mais alto grau, dentro do sistema de paz e segurança internacionais estabelecido na presente Carta, o bem-estar dos habitantes desses territórios, e, para tal fim:
  1. Assegurar, com o devido respeito pela cultura dos povos interessados, o seu progresso político, económico, social e educacional, o seu tratamento equitativo e a sua protecção contra qualquer abuso;
  2. Promover o seu governo próprio, ter na devida conta as aspirações políticas dos povos e auxiliá-los no desenvolvimento progressivo das suas instituições políticas livres, de acordo com as circunstâncias peculiares a cada território e seus habitantes, e os diferentes graus do seu adiantamento;
  3. Consolidar a paz e a segurança internacionais;
  4. Favorecer medidas construtivas de desenvolvimento, estimular pesquisas, cooperar entre si e, quando e onde for o caso, com organizações internacionais especializadas, tendo em vista a realização prática dos objectivos de ordem social, económica e científica enumerados neste artigo;
  5. Transmitir regularmente ao Secretário-Geral, para fins de informação, sujeitas às reservas impostas por considerações de segurança e de ordem constitucional, informações estatísticas ou de outro carácter técnico relativas às condições económicas, sociais e educacionais dos territórios pelos quais são respectivamente responsáveis e que não estejam compreendidos entre aqueles a que se referem os capítulos XII e XIII.
    Artigo 74
    Os membros das Nações Unidas concordam também em que a sua política relativa aos territórios a que se aplica o presente capítulo deve ser baseada, do mesmo modo que a política seguida nos respectivos territórios metropolitanos, no princípio geral de boa vizinhança, tendo na devida conta os interesses e o bem-estar do resto do mundo no que se refere às questões sociais, económicas e comerciais
    O que isto significa é que Marrocos, enquanto entidade com responsabilidade pelo território em questão, deverá administrá-lo de forma responsável e promover o desenvolvimento das populações indígenas residentes nesse território. A questão que se coloca é a de saber se a entidade com responsabilidade pelo território pode utilizar os recursos naturais desse mesmo território para benefício próprio (que é o que pretende Marrocos) ou se por outro lado deve respeitar os desejos e interesses dos povos indígenas (o povo Sarahui luta pela independência e já fez saber que não aprova a exploração de hidrocarbonetos por parte do Governo de Marrocos).
    A discussão jurídica ganha densidade e relevância devido a um relatório das Nações Unidas, em 2002 (acerca de dois contratos assinados pelo Governo de Marrocos para prospeção naquele território - aqui), onde se refere que a exploração de petróleo na região, por parte do Governo de Marrocos, seria legal se fosse feito para o “benefício” das populações indígenas e que, no caso de os interesses e os desejos das populações indígenas não serem levados em conta, então a exploração dos recursos naturais na região estaria a ser feita em violação do Direito Internacional.
    Para complicar ainda mais esta questão, este relatório foi elaborado em 2002 e não teve em conta (nem podia) a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, de 2007, que refere que:
     "Artigo 32 
    1. Os povos indígenas têm o direito de determinar e de elaborar as prioridades e estratégias para o desenvolvimento ou a utilização de suas terras ou territórios e outros recursos.
     
    2. Os Estados celebrarão consultas e cooperarão de boa fé com os povos indígenas interessados, por meio de suas próprias instituições representativas, a fim de obter seu consentimento livre e informado antes de aprovar qualquer projeto que afete suas terras ou territórios e outros recursos, particularmente em relação ao desenvolvimento, à utilização ou à exploração de recursos minerais, hídricos ou de outro tipo. (sublinhado nosso)
     
    3. Os Estados estabelecerão mecanismos eficazes para a reparação justa e eqüitativa dessas atividades, e serão adotadas medidas apropriadas para mitigar suas conseqüências nocivas nos planos ambiental, econômico, social, cultural ou espiritual."
     
    Conforme facilmente se percebe, tanto as “declarações” como o relatório das Nações Unidas são vagos e de difícil concretização prática. De que forma tem os povos indígenas de ser consultados? Qual o “standard” a ser utilizado para “levar em conta” os interesses dos povos indígenas? Quem define o que são os melhores interesses dos povos indígenas? O que significa utilizar os recursos naturais em prole do desenvolvimento dos povos indígenas?
     
    Todas estas questões são de difícil resposta em face dos poucos exemplos existentes (é difícil definir um “benchmark” para estas questões). Mais ainda, quando estamos a lidar com recursos naturais que significam milhões de Euros/USD tanto para a entidade que controla esse território como para os povos indígenas, não é difícil perceber que existirão sempre interesses conflituantes.
     
    Na minha opinião, seguindo a linha da Declaração das Nações Unidas sobre os Povos Indígenas, deve sempre ser feita uma consulta prévia aos povos residentes nesses territórios. Embora concordando com o relatório de 2002, parece-me que a resolução destes problemas está em criar uma representatividade forte por parte dos povos indígenas (uma espécie de junta administrativa ou uma qualquer forma de governo regional) e negociar os termos da exploração de recursos naturais com essa mesma autoridade.
     
    A questão que se coloca então é o de saber se os países que controlam esses territórios (neste caso o Governo de Marrocos) estão dispostos a esperar o tempo necessário à formação dessa “representatividade” e se estarão disposto a fazer as concessões que, naturalmente, terão de fazer. Infelizmente, no caso do Sahara Ocidental, esse não parece ser o caso.

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