Que se engane quem
achar, pelo título do artigo, que pretendo refutar a existência de impactos
ambientais globais causados pela intervenção humana. Eles estão, de uma forma
ou de outra, por todo o lado e em especial no chamado terceiro mundo, onde a
inexistência de um estado de direito correctamente estabelecido, com
transparência e estabilidade do ordenamento jurídico e um sistema de incentivos
claro impede o desenvolvimento de uma perspectiva conservacionista,
privilegiando o consumo imediato e a desvalorização das externalidades
negativas. Muitas dessas sociedades nunca viveram com a abundância de bens de
consumo com que se deparam hoje - pelo que não desenvolveram mecanismos formais
para as integrar no seu sistema social e económico. Mesmo no dito primeiro
mundo estamos ainda a procurar o(s) melhor(es) mecanismo(s) para incorporar o custo/valor
dos produtos em todo o seu ciclo de vida.
A emissão isolada de gases ou materiais num
mundo virgem e impoluto dificilmente será vista como ameaça séria ao
ecossistema envolvente. Mas a sua multiplicação por milhões é a responsável por
muitos dos problemas ambientais com que nos defrontamos, a maioria deles de
dimensão local ou regional, como sejam as enormes lixeiras a céu aberto que
vemos nos maiores bairros de lata do mundo, mas alguns de carácter global, como
os relacionados com as emissões de gases ou a poluição dos mares.
Da necessidade de
mudar práticas e hábitos penso que qualquer cidadão informado estará
consciente. No entanto, existem vários caminhos alternativos rumo ao
suposto desenvolvimento sustentável e que merecem uma análise individualizada.
Esta questão é talvez a nova fronteira da discussão ideológica e política,
razão pela qual muitos dos opositores do sistema económico e social que saiu
vitorioso da Guerra Fria vêm neste tema a oportunidade que procuravam para
justificar a falência moral e a insustentabilidade do mesmo (o melhor exemplo
disto mesmo é o mais recente livro de Naomi Klein, This Changes Everything:Capitalism vs the Climate).
Muitos destes
movimentos, na sua essência contrários ao sistema capitalista, exigem mudanças
impossíveis e na maioria dos casos indesejáveis e contraproducentes para
a construção de um percurso longo, complexo e de impacto civilizacional como é
o da transição de uma economia do carbono para uma economia suportada por fontes
de energia limpas e amplamente disponíveis.
O crescimento
económico dos últimos 200 anos decorre dos movimentos liberais do século XVIII,
que promoveram o desenvolvimento científico e a economia de mercado (a qual só
é verdadeiramente possível havendo efectivamente um mercado e não
meia dúzia de senhores feudais). Este processo criou um ciclo virtuoso de progresso, fortemente alavancado no aumento de intensidade energética decorrente do conhecimento apreendido pelo Homem nesse período, que lhe permitiu tirar partido de enormes reservas de energia contidas na terra na forma de hidrocarbonetos.
Durante dois séculos o crescimento económico esteve associado ao aumento da intensidade energética. Primeiro o carvão e depois o petróleo alimentaram a economia mundial, permitindo aumentar a intensidade da actividade económica. No entanto nas últimas décadas, fruto do trabalho desenvolvido ao nível da eficiência energética e da optimização processual mas também do advento da revolução digital, começámos a assistir a uma redução da energia consumida em função do PIB. Como se pode ver no gráfico acima (retirado do site Enerdata) esta tendência não é apenas dos países da OCDE, que deslocalizaram muita da sua indústria pesada para países em vias de desenvolvimento, mas global. Não significa, claro, que o consumo de energia esteja a diminuir, visto que o PIB global tem crescido a um ritmo de cerca de 3-4% por ano, mas é um sinal claro e muito positivo de mudança.
Os principais precursores desta mudança não foram os movimentos ambientalistas dos anos 60 e 70, mas o trabalho científico levado a cabo pelas forças vivas da economia de mercado, que promoveram soluções energéticas mais eficientes e económicas, que reuniram o capital de risco necessário para o desenvolvimento de tecnologias que conduziram à exploração cada vez mais competitiva dos recursos eólicos e solares e também para a revolução digital, que permite hoje uma redução inimaginável das necessidades de recursos materiais e energéticos por unidade produzida. Quem quiser pode hoje ler todos os seus livros, ver todos os seus filmes, ouvir toda a sua música e ter acesso a toda a informação que deseje tendo apenas um smartphone, um tablet e/ou um laptop. Compare-se a intensidade energética desta realidade com a alternativa material, mesmo contabilizando toda a energia que suporta esta nova realidade, e facilmente se compreende a tendência do gráfico acima.
Se a isto acrescentarmos uma redução das emissões por unidade energética em virtude do papel das energias renováveis e da substituição do carvão pelo gás natural, que decorre do forte investimento levado a cabo pela indústria de Oil&Gas nos últimos 20 anos, percebemos a enorme alteração de paradigma que ocorreu.
Claro que toda esta mudança foi acompanhada por um crescimento económico global sem precedentes - em boa parte pela adopção pelas economias asiáticas, incluindo a China, de práticas económicas que haviam evitado por motivos políticos durante décadas - que permitiu tirar centenas de milhões de pessoas do limiar da pobreza, com inevitáveis custos ambientais. Mas o caminho trilhado é muito positivo e os principais sinais apontam no sentido de um aumento da competitividade das alternativas menos poluentes, quer do lado da produção (fontes de energia menos poluentes e optimização da tecnologia com redução de emissões) quer do lado do consumo (eficiência energética, práticas mais conservacionistas e digitalização da economia). Este caminho só foi possível através de regras de mercado cada vez mais transparentes e integradoras das várias externalidades existentes, que de forma gradual têm permitido aos vários agentes do mercado (fornecedores e consumidores) conduzir os hábitos de consumo para práticas cada vez mais sustentáveis. Por existir uma economia de mercado e não apesar dela. E só a continuação deste trabalho permitirá manter esse rumo e construir um mundo em que perto de 10 biliões de pessoas possam viver melhor que hoje e muito melhor que ontem.
Sem comentários:
Enviar um comentário