Energy

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terça-feira, 28 de abril de 2015

Geração descentralizada: o futuro? (Parte 2)

No entanto, a produção descentralizada em larga escala acarreta alguns desafios importantes:

-  Será necessária a adaptação tecnológica de toda a rede a esta nova realidade (contadores inteligentes, instalações capazes de entregar e receber electricidade da rede, redes capazes de lidar com inversões de fluxos, novas tecnologias para protecção da rede e detecção de defeitos…). Esta adaptação não é isenta de custos no actual estado da arte.
-   Se por um lado a produção localizada pode aliviar a rede e reduzir as perdas, por outro lado, no caso de produção de volumes muito acima das necessidades de consumo locais ou de produção que não esteja ligada a redes próximas de pontos de consumo, os fluxos de energia carregados na rede podem vir a gerar níveis de perdas superiores;
-  Os novos geradores terão de possuir sistemas de controlo da qualidade da energia produzida (flickes, harmónicas, reactiva)
-  Risco de geração de custos afundados uma vez que o novo paradigma pode tornar obsoletas instalações que ainda poderiam funcionar por mais alguns anos. Uma vez que esta transformação durará previsivelmente alguns anos este risco parece-me relativamente limitado.
-    A perda de previsibilidade dos fluxos por parte dos operadores das redes de distribuição gera riscos adicionais na realização de operações de manutenção e reparação na rede.
-  Tal como tem vindo a acontecer com a nova vaga de produção renovável em Portugal, a imprevisibilidade da geração “verde” gera desvios em relação aos programas horários de operação do sistema eléctrico e cuja resolução envolve custos com a utilização de serviços auxiliares.


Finalmente põe-se a questão do preço a que esta “nova energia” será paga. Assumindo uma subsidiação meramente residual (que reconheça as externalidades positivas a nível ambiental e não só mas que as concilie com o desejo de uma factura eléctrica mais baixa) a lógica da competitividade de cada tecnologia contribuiria para que se evitassem excessos ou decisões que prejudiquem o bem estar global da sociedade. As tecnologias que provem ser mais competitivas que as tradicionais ganharão progressivamente quota em função dessa mesma competitividade.


No entanto, mesmo sendo superados os desafios antes enunciados, antevê-se pouco provável a inversão do paradigma actual. A escala e grau de especialização de grandes centro produtores - que poderão ter acesso à mesma tecnologia adoptada pela microgeração e em melhores condições - leva-me a duvidar que o paradigma da produção descentralizada venha fazer desaparecer os grandes produtores à escala global. O tecido empresarial e o mercado de trabalho têm, desde há séculos, convergido para uma cada vez maior especialização dos agentes. Os grandes projectos de geração não deixarão passar ao lado os ganhos de competitividade trazidos pela inovação tecnológica pelo que uma nova visão que ambicione tamanha inversão da realidade talvez precise de ser repensada.

terça-feira, 24 de março de 2015

Geração descentralizada: o futuro? (Parte 1)


Um tema quente no debate sobre o paradigma que dominará este século é o da produção descentralizada de electricidade (Distributed Generation). Não existe uma definição consensual do que é produção descentralizada mas poder-se-á dizer que se trata de um tipo de produção em que cada gerador terá uma escala relativamente pequena, ligada à rede de distribuição existente e que visa suprir as necessidades de consumo do(s) seu(s) proprietário(s) e/ou a sua comercialização (no total ou em parte). Actualmente as tecnologias existentes assentam em pequenos motores de combustão (gás ou outros combustíveis) ou fontes renováveis (solar, eólicas ou hídricas). Numa fase de maturidade, o grosso da produção eléctrica seria realizado por produtores anónimos e atomizados e os grandes geradores e operadores de sistemas teriam apenas o papel de regulação da carga e correcção das divergências entre procura e oferta.

As vantagens e selling points deste paradigma seriam:

-    Maior concorrência no sector da geração e em especial entre tecnologias de produção eléctrica;
-  Melhor aproveitamento de recursos endógenos, uma vez que a microgeração de tipo renovável tende a envolver menores recursos e menor complexidade logística;
-    Diminuição de emissões poluentes;
-   Diminuição das perdas nas redes uma vez que este paradigma aproxima a produção dos pontos de consumo, evitando enormemente as perdas nas redes de transporte e distribuição que se podem situar em torno dos 10% - 20%;
-  Redução da necessidade de investimento em grandes linhas de transporte de electricidade;
- Aumento da procura de micro-geradores poderá
criar economias de escala que tornem o MW instalado mais barato do que as actuais instalações (desenhadas e fabricadas à medida para cada caso e não em série).
-    Uma menor sobrecarga das redes levaria a melhores índices de continuidade de serviço


Nesta nova realidade os agentes deixam de estar divididos entre produtores, operadores e clientes passando a haver consumidores/produtores (prosumers). Esta alteração altera toda a lógica do sistema de alto a baixo... literalmente. Actualmente os fluxos de electricidade são praticamente unidirecionais e os operadores vêm apenas geradores de carga e produtores de energia. Com a distribuição descentralizada, a todo o momento um consumidor pode passar a ser um produtor e a gestão da rede terá de se acomodar à nova realidade. Actualmente os operadores de rede já se deparam com versões embrionárias destes consumidores/produtores mas mas ainda numa escala relativamente pequena. É o caso dos cogeradores, alguma microgeração (ainda incipiente) e os grupos reversíveis (ainda que actualmente funcionem numa lógica centralizada). Aos poucos os gestores e planeadores do sistema eléctrico vão começando a antecipar uma hipótese do que será o futuro.

(continua)

segunda-feira, 9 de março de 2015

EROI: Energy Returned on Investment

Um dos factores mais relevantes em análise económica da Energia é a capacidade de retorno (físico e financeiro) de uma fonte de energia, uma medida fundamental de sustentabilidade energética.

Para medir e analisar esta capacidade foi criado nos anos 80 por Charles Hall, Cutler Cleveland e Robert Kaufmann um indicador, o EROI (Energy Returned on Investment), que permite comparar diferentes fontes de energia e a sua competitividade natural em função do retorno energético gerado ao longo do ciclo de vida de exploração de um activo. Como se pode compreender da fig. 1 (fonte http://www.theoildrum.com/node/1863) o ciclo de vida de um projecto tem fases de investimento e desactivação, tipicamente deficitárias em balanço energético, e fases de exploração, tipicamente excedentárias em balanço energético.


Este indicador, embora de âmbito geral e conceito abstracto, foi criado para ser aplicável a situações práticas de investimentos ou projectos em curso, podendo - e sendo mesmo natural - que a mesma fonte de energia, em função das variáveis concretas de cada caso, dê origem a um EROI significativamente diferente, mesmo quando as suas características fisico-químicas se mantêm constantes.

O EROI mede, no fundo, a relação entre a energia gasta e a energia recuperada pela exploração de um activo (energy costs e energy production da fig. 1). Quando o EROI é igual ou inferior a 1, por definição o processo passou de gerador de energia a consumidor de energia. Ajay Gupta e Charles Hall publicaram um artigo na revista Sustainability, em 2011, no qual fazem uma comparação com base em dados recentes entre várias fontes de energia (A Review of the Past and Current State of EROI Data). Nesse estudo concluem, por um lado, que existe um enorme défice de trabalho e informação sobre este tema - o qual é fundamental para se compreender o grau de sustentabilidade energética mundial e projectar impactos económicos estruturais. Por outro, que os escassos dados disponíveis parecem apontar no sentido da redução do EROI médio. Significa isto, a confirmar-se, que a energia tem vindo a ser estruturalmente mais onerosa para a economia. Este facto, de forma isolada, impacta negativamente na produtividade total das nações e o seu efeito só poderá ser contrabalançado por uma redução do Índice de Intensidade Energética. Este é um dos grandes desafios com que nos deparamos enquanto civilização, manter o desenvolvimento e crescimento económico num contexto energeticamente menos rentável, não abdicando da procura de soluções energéticas que maximizem o EROI.








quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Uma estratégia europeia para a união energética

A Comissão Europeia publicou ontem a sua aguardada Estratégia para a implementação de uma União Energética alinhada com as políticas ambientais e de segurança de abastecimento que têm sido promovidas pela União Europeia na última década e meia (disponível aqui).

Não eram expectáveis novidades ao nível do rumo da política energética - nem era esse o objectivo deste documento. O seu enfoque está na definição de medidas de consolidação que permitam a concretização dessa mesma política da forma mais eficiente possível, fazendo face a factores exógenos recentes.

Nesse aspecto o documento é elucidativo - na medida do possível para um documento oficial da Comissão Europeia... - pois identifica um conjunto de oportunidades de melhoria, ao nível das ideias e das acções, e caminhos para a concretização de uma optimização das redes e políticas europeias de energia, nomeadamente através de um vasto programa de investimentos estruturais a canalizar através do futuro European Fund for Strategic Investments. Fica no ar um cheiro a New Deal energético...

A Comissão identificou no final do documento 15 pontos de acção:

1. Implementação integral da Legislação Europeia de Energia por parte dos estados-membros.
2. Diversificação e resiliência do aprovisionamento de gás natural.
3. Articulação com política europeia e maior transparência dos acordos inter-governamentais.
4. Criação de infraestrutura energética adequada a um mercado comum que concilie forte componente de produção de origem renovável com segurança de abastecimento.
5. Revisão do ordenamento jurídico do modelo de mercado energético europeu no sentido de conciliar segurança de abastecimento, produção de origem renovável e adequados mecanismos de capacidade.
6. Aprofundamento das medidas do 3º Pacote do Mercado Interno de Energia.
7. Promoção de abordagens regionais rumo à integração num mercado único.
8. Maior transparência nos custos e preços da energia como medida de promoção da integração do mercado europeu e identificação de distorções do mercado.
9. Redução de 27% no consumo energético em 2030 (face a 1990).
10. Forte aposta e investimento na eficiência energética dos edifícios.
11. Aceleração da eficiência energética e descarbonização do sector dos transportes, da transição para combustíveis alternativos e integração dos sistemas de energia e transportes.
12. Implementação de medidas para cumprimento dos objectivos ambientais e energéticos aprovados no Conselho Europeu de Outubro de 2014 e forte contribuição nas negociações internacionais relativas ao clima.
13. Objectivo de 27% de energia consumida de origem renovável em 2030.
14. Definição de uma estratégia dedicada à Investigação e Inovação nos temas da energia e clima, no sentido de manter a liderança tecnológica mundial e exportar conhecimento.
15. Utilização dos instrumentos de política externa disponíveis, no sentido de garantir uma posição europeia comum nos temas da Energia e Clima.

Aproveito para destacar algumas das frases que considero politicamente mais significativas no documento:

The goal of a resilient Energy Union with an ambitious climate policy at its core is to give EU consumers - households and businesses - secure, sustainable, competitive and affordable energy. Achieving this goal will require a fundamental transformation of Europe's energy system.

[...]

To reach our goal, we have to move away from an economy driven by fossil fuels, an economy where energy is based on a centralised, supply-side approach and which relies on old technologies and outdated business models. We have to empower consumers through providing them with information, choice and through creating flexibility to manage demand as well as supply. We have to move away from a fragmented system characterised by uncoordinated national policies, market barriers and energy-isolated areas.

[...]

Today, the European Union has energy rules set at the European level, but in practice it has 28 national regulatory frameworks. This cannot continue. An integrated energy market is needed to create more competition, lead to greater market efficiency through better use of energy generation facilities across the EU and to produce affordable prices for consumers.

Energy infrastructure is ageing and not adjusted to the increased production from renewables. There is a need to attract investments, but the current market design and national policies do not set the right incentives and provide insufficient predictability for potential investors.

Energy islands continue to exist as many markets are not properly connected to their neighbours. This adds to the costs faced by consumers and creates vulnerability in terms of energy security.

Destaque também para dois parágrafos que devem ser lidos à luz da tensão existente na relação com a Rússia e do papel especial da Ucrânia. O futuro dirá se tais afirmações, no contexto de uma estratégia de longo prazo, fazem ou não sentido.

When the conditions are right, the EU will consider reframing the energy relationship with Russia based on a level playing field in terms of market opening, fair competition, environmental protection and safety, for the mutual benefit of both sides.

Particular attention will be paid to upgrading the Strategic Partnership on energy with Ukraine. This will address issues related to Ukraine's importance as a transit country as well as those related to Ukraine's energy market reforms, such as the upgrade of its gas network, the setting up of an appropriate regulatory framework for the electricity market and increasing energy efficiency in Ukraine as a means of reducing its dependence on imported energy.

domingo, 22 de fevereiro de 2015

BP Energy Outlook 2035

Foi publicada esta semana a edição anual do BP Energy Outlook, que actualiza a oferta e procura mundiais de energia até 2035 suportada nos dados históricos do Statistical Review of World Energy 2014 e em cenários criados pela equipa da BP responsável pela elaboração deste documento, liderada por Spencer Dale, actual Chief Economist da BP.

http://www.bp.com/en/global/corporate/about-bp/energy-economics/energy-outlook.html

As principais conclusões são de que a quase totalidade do crescimento mundial da procura  - que a BP estima em 37% face a 2013 - se fará fora do chamado 1º mundo (países membros da OCDE), sendo metade desse crescimento originado na China e na Índia. Por sectores de actividade a produção de electricidade será responsável por 60% do crescimento mundial.

O consumo per capita de energia apresenta um crescimento de 12% face a 2013, apesar da diminuição em 36% do Índice de Intensidade Energética (medida da energia necessária por unidade de riqueza produzida), evidenciando uma tendência global para fazer mais com menos, decorrente não só da melhoria de práticas energéticas e ambientais mas também da mudança de perfis de consumo e da digitalização da economia.

Todas as fontes de energia apresentam crescimento face a 2013, incluindo o petróleo e o carvão (ambos com 0,8% ao ano), apesar da redução prevista de consumo de carvão nos países desenvolvidos. No entanto, será o Gás Natural a estrela das próximas décadas, dando razão a quem já apelidou a primeira metade deste século como a Era do Gás, depois da Era do Carvão no século XIX e da Era do Petróleo no século XX.

Esta projecção da BP prevê ainda que os EUA sejam auto-sustentáveis em balanço energético a partir de 2021 e excedentários em cerca de 9% em 2035, em consequência da manutenção da produção não convencional a cuja ascensão assistimos nos últimos anos.

Em termos ambientais, as emissões de CO2 aumentam 25% face a 2013, com apenas 8% da energia mundial consumida a ter origem renovável (face aos 3% actuais). Estes números ficam muito aquém das metas globais definidas. Daí as palavras do CEO da BP, Bob Dudley, na introdução do documento:

That brings us to the environmental challenge. The most likely path for carbon emissions, despite current government policies and intentions, does not appear sustainable. The projections highlight the scale of the challenge facing policy makers at this year’s UN-led discussions in Paris. No single change or policy is likely to be sufficient on its own. And identifying in advance which changes are likely to be most effective is fraught with difficulty. This underpins the importance of policy-makers taking steps that lead to a global price for carbon, which provides the right incentives for everyone to play their part.

sábado, 14 de fevereiro de 2015

Who will rule the oil markets?

Mais um excelente artigo do "autor da biblia":

"By leaving oil prices to the market, Saudi Arabia and the emirates also passed the  responsability as de facto swing  producers to a country that hardly expected it - the United States. This approach is expected to continue with the accession of the new Saudi King Salman, following the death on Friday of King Abdullah. And it means that changes in American production will now, along with that of Persian Gulf producers, also have a major influence on global prices."

Artigo completo aqui: http://www.nytimes.com/2015/01/25/opinion/sunday/what-happened-to-the-price-of-oil.html

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Gestão da Procura no Sector Eléctrico




O conceito de Gestão da Procura de energia consiste num conjunto de medidas de política energética destinada a estimular o consumo racional de energia e evitar o desperdício. Esta “disciplina” surgiu no início dos anos 80 e tem sido mais explorada na área da electricidade.
No caso do sector eléctrico, o conceito abrange duas vertentes: gestão do consumo e gestão de ponta. A primeira tem por objectivo a redução do consumo unitário ou por unidade de PIB enquanto que a segunda se preocupa em deslocar o consumo das horas de ponta (períodos durante o dia no qual o consumo é maior) para as horas de vazio. A razão invocada para as medidas de gestão da procura é a necessidade de evitar os custos associados ao investimento em centrais, redes e combustíveis.

Na realidade a gestão da procura nasce da dificuldade em repercutir os custos intra-diários da produção de electricidade nos consumidores finais e que por sua vez tem origem nas limitações tecnológicas, regulatórias e políticas.


No caso português essas limitações materializam-se em:

Tecnológicas: para levar a cabo gestão da ponta da procura seria necessário estabelecer tarifários divididos em pelo menos três períodos (ponta, cheia e vazio) que, idealmente, variariam por cada dia da semana. Para tal seria necessário existirem contadores sofisticados e fiáveis. Esse contador perfeito teria de produzir leituras fáceis de conferir algo só possível com sistemas de informação avançados mas, teórica mas não necessáriamente, com custos superiores aos contadores actuais. Implementar este tipo de soluções exige tecnologia fiável (quer para fornecedores quer para clientes), e a um custo que terá de ser claramente inferior às poupanças geradas a médio prazo. A sua implementação já foi sugerida em Portugal mas por parte do regulador e teve como desfecho previsível o abandono da ideia por falta de contexto regulatório e respectivos incentivos (nem produtores nem clientes estavam a pagar pela imposição dessa inovação).

Regulatórias: A abertura de mercado da electricidade é um processo em curso. Do lado da produção está parcialmente realizado mas ainda sofre de falhas e do lado da distribuição está mais avançado em termos regulatórios mas é mais recente em termos de implementação. O receio do descontrolo dos preços e das suas consequências têm levado a que o processo de liberalização do sector tenha sido relativamente lento. Enquanto a discricionariedade do regulador e consequente incerteza se fizerem sentir, não existirão incentivos para que a oferta proponha soluções de racionalização de consumo e do lado da procura se sintam ganhos palpáveis.

Políticas: O sector da energia é visto pelas classes dirigentes como um sector muito sensível pelas consequências económicas e eleitorais que os preços podem ter junto dos consumidores. Os défices tarifários são resultantes de um adiar da repercussão de custos decidido politicamente. Como esses custos representam uma fatia muito significativa dos custos totais e há imposições comunitárias para que o défice tarifário desapareça o mais rapidamente possível (sendo a sua existência incompatível com uma desejada lógica de mercado) quaisquer poupanças que venham eventualmente a ser obtidas do lado da oferta irão ser aproveitadas para eliminação desse défice (não descendo as tarifas) e os consumidores nunca sentirão qualquer poupança. Resumindo, não existem condições para o estabelecimento de um sistema de sinais propício à proposta de soluções competitivas com vantagens mútuas entre produtores e consumidores. Isso deve-se a um conjunto de medidas de política energética que não tiveram qualquer preocupação em salvaguardar um ambiente concorrencial e de liberdade contratual.



Ultrapassados estes obstáculos, poder-se-á implementar uma gestão da procura eficaz. E será eficaz porque não passa pela lógica de correcção de (“maus”) comportamentos mas sim pelo estabelecimento de incentivos coerentes com a realidade e que estimulam comportamentos virtuosos no sentido de uma utilização racional da energia.



quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Replicar o sucesso dos Estados Unidos?

Na sequência do último artigo do Diogo (Independência energética ou metas ambientais) lembrei-me que, apesar da Foreign Affairs publicar um excelente artigo, existe mais uma grande razão (talvez a maior?) para o "Shale" não avançar com tanta força no mundo como conseguiu ter nos Estados Unidos. A razão tem a ver com a propriedade dos recursos minerais. 
Em quase todo o mundo, os recursos minerais pertecem ao Estado com jurisdição sobre o território onde estes minerais se encontrem localizados. Existem casos onde os mesmos pertecem a dois Estados diferentes mas deixemos essa hipótese de lado por agora. É o que se pode chamar, muito genericamente, a posse pública desses mesmos recursos. 
De acordo com este conceito o Estado é detentor dos recursos minerais e só o Estado pode decidir o que fazer com esses recursos naturais. Como é previsível, cabe também ao Estado administrar os ganhos inerentes à exploração desses mesmos recursos naturais e aplicar esses mesmos ganhos no desenvolvimento do seu país (o que, como sabemos, nem sempre acontece...).
Porém, nos Estados Unidos, a propriedade dos recursos naturais pode ser privada. Ou seja, de acordo com a lei americana, os recursos minerais pertecem ao dono do pedaço de terra onde estes forem encontrados. Naturalmente que, apesar da natureza privada desses recursos, o Governo federal e estadual têm mecanismos para regular a sua exploração. Porém, os ganhos económicos vão, na sua larga maioria, para o proprietário do pedaço de terra onde se encontram esses mesmos recursos. Assim, como facilmente se percebe, existe um benefício directo para os proprietários que decidam de facto permitir a exploração nos seus terrenos.
Este "pormenor", que pode parecer insignificante, faz toda a diferença.
Os Governos são, pela sua natureza, muito mais susceptíveis à opinião pública e a tomar decisões na procura daquilo que consideram ser o "interesse público" (seja lá o que isso for...). Nesse sentido, os Governos agem da maneira que lhes parece mais acertada, levando a que muitas vezes façam uma hierarquização de prioridades e interesses que acabam por moldar a tomada das suas decisões (penso que Murray Rothbard teria muito a dizer quanto a esta hierarquização...). Nesse sentido, o Estado está muitas vezes muito mais pressionado por questões paralelas que acabam por impactar numa tomada de decisão racional. Esta “pressão” acaba por dificultar muito mais a exploração de “Shale” dada a percepção pública do seu potencial impacto ambiental (mesmo que, na maioria dos casos, essa percepção possa não ser totalmente “informada”).
Nos Estados Unidos, dados os ganhos económicos potenciais, os cidadãos estão muito mais dispostos a aceitar a exploração dos recursos minerais nas suas "terras". Esta confluência de interesses (empresas que querem explorar / proprietários os terrenos) faz com que haja muito mais exploração uma vez que cada proprietário (ainda que sujeito a algumas restrições) decide se quer ter exploração no seu terreno ou não. Esta decisão é normalmente tomada pesando o benefício económico vs. os potenciais problemas associados (barulho, maquinaria no seu terreno, poluição potencial, etc...). No entanto esta decisão é privada e pessoal, permitindo assim desenvolver mais rapidamente a exploração de um determinado recurso.
Estas condições muito especificas (reconhecidas em vários estudos http://www.ey.com/Publication/vwLUAssets/May_2013_Hot_Topic_Oil_and_Gas_Update/$FILE/May_2013_Hot_Topic_DW0265.pdfhttp://www.rff.org/RFF/Documents/RFF-IB-13-04.pdf e http://www.chathamhouse.org/sites/files/chathamhouse/public/Research/Energy,%20Environment%20and%20Development/131213shalegas.pdf) são um dos “catalisadores” do sucesso da exploração de “Shale” e a razão pela qual se torna muito mais complicado replicar o sucesso dos Estados Unidos fora de portas.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Europa: Independência energética ou metas ambientais?

Foi hoje publicado na Foreign Policy um artigo dedicado ao tema da exploração de shale oil na Europa, que sofreu fortes reveses nos últimos meses.
Se a queda do preço do crude já seria só por si um factor muito relevante para a decisão de adiar investimentos nesta área, dado o custo de produção tipicamente elevado associado a este recurso, um conjunto de factores de ordem técnica e política acabaram por convergir e reforçar esta tendência.
Mas o melhor será mesmo lerem o artigo de Keith Johnson, do qual aproveito para destacar os parágrafos finais:

"But another reason fracking is struggling to take off is that — despite Russia’s annexation of the Crimean peninsula and continued strong-arm tactics with its energy exports — many European countries are still less concerned about energy security than climate change.
Brussels hopes to build an “energy union” that can finally manage to achieve the seemingly contradictory goals of making energy supplies greener, cheaper, and more secure. Germany is ramping up its massive bet on clean energy. France sits atop plentiful reserves, but won’t even consider fracking. Even in the U.K., lawmakers from across the political spectrumwarned last month that shale gas is still a fossil fuel, and that decades of reliance on yesterday’s energy would impair Britain’s ability to dramatically slash greenhouse-gas emissions.
“Certainly the policymakers in Brussels and the Scottish government are just completely wedded to this vision of a renewable-energy future where we can phase out fossil fuels,” Oxford’s Rogers said. “The most fervent of them don’t want to see shale gas developed because that might deflect focus from renewables.”

Limitações ambientais ao transporte marítimo e impacto nos custos logísticos mundiais

Embora seja um tema que passa ao lado da generalidade da opinião pública, estão em curso alterações significativas nas especificações dos combustíveis marítimos, com vista a uma redução drástica das emissões produzidas por esta fonte, que é responsável a nível global por 2,2% das emissões de dióxido de carbono de origem humana, 9% do dióxido de enxofre e 18 a 30% das emissões de dióxidos de azoto.
A globalização como a conhecemos hoje só é possível graças aos cerca de 100.000 navios que todos os dias cruzam os mares, levando produtos de continente em continente e ligando dessa forma os locais de produção com os locais de consumo. Este frenesim tem, claro, um custo ambiental significativo, ainda para mais quando o combustível de eleição deste sector é o fuelóleo com alto teor de enxofre, cujo consumo está hoje proibido, em terra, na generalidade dos países desenvolvidos pelo impacto nocivo na qualidade do ar.

A IMO (International Maritime Organization) é uma agência integrante das Nações Unidas com a missão de desenvolver e coordenar as políticas mundiais de transporte marítimo e respectivo quadro regulatório, nomeadamente no que diz respeito a questões de ordem ambiental. No âmbito da sua actividade foi desenhada e implementada nos anos 70 uma convenção, denominada MARPOL, que visa estabelecer regras para minimização da poluição marítima. Nos anos 90 e 00 e em consequência de uma maior sensibilidade e conhecimento do impacto ambiental da poluição marítima foram sendo realizadas revisões da convenção original no sentido de aumentar as restrições existentes. Foram também definidas áreas específicas (Emission Control Areas) com elevado tráfego marítimo e pressão ambiental na Europa e na América do Norte, para as quais foi desenhado um calendário mais apertado para redução de emissões (a este propósito ver a infografia e o texto produzido pelo site freightlink, explicando os impactos económicos da medida e este relatório da EPA - Agência Ambiental dos EUA). Deste calendário consta a redução nas zonas ECA do teor em enxofre do combustível utilizado a partir de 1 de Janeiro de 2015, de 1,0% para 0,1%, o que na prática significou a proibição da utilização nestas zonas específicas de fuelóleo, cujos teores em enxofre, independentemente do crude processado, são sempre superiores a 0,1%.

A implementação desta medida implicou uma relevante alteração no perfil de consumo deste mercado e na respectiva cotação de cada produto envolvido, tendo-se  assistido nos últimos meses a uma valorização  do gasóleo 0,1% de enxofre face ao gasóleo rodoviário (0,001% de enxofre) e a uma desvalorização acentuada do fuelóleo.

O calendário de redução de emissões definido na MARPOL não se conclui com esta alteração ocorrida a 1 de Janeiro deste ano. A partir de 1 de Janeiro de 2020 (data sujeita a revisão até 2018, mas nunca adiável para depois de 2025) todo o fuelóleo consumido como combustível marítimo a nível global não poderá ultrapassar o teor de 0,5% de enxofre, o que deixa de fora do mercado a grande maioria do fuelóleo produzido a nível mundial. Estas limitações obrigam a investimentos muito significativos estando ainda por definir qual ou quais os rumos a tomar pela fileira desta actividade, na qual se incluem os refinadores, os portos e os armadores, e qual o melhor modelo de negócio para realizar esta mudança. Em estudo como alternativas estão:

1. A conversão de frotas a Gás Natural Liquefeito (embora a menor capacidade calorífica deste combustível implique uma menor autonomia que pode ser muito limitativa para viagens de longo curso; já houve mesmo quem avançasse com a ideia de criar nos Açores um hub logístico para reabastecimento de navios transatlânticos, quem sabe não seria uma alternativa interessante à base das Lages...).
2. A instalação de scrubbers nos navios, que procederiam à separação prévia do enxofre presente no fuelóleo, obrigando a um sistema de remoção e tratamento de lamas residuais nos portos de destino
3. A generalização da utilização de Gasóleo de Bancas, que obrigaria a indústria refinadora a investimentos gigantescos em cokers (unidades de conversão de fuelóleo em produtos mais leves como o gasóleo)

Qualquer uma destas alternativas terá um custo muito elevado para o sector, que será inevitavelmente passado para o mercado, sendo certo um forte agravamento dos custos logísticos no início da década de 2020.

The Global Energy Architecture Performance Index 2015

O World Economic Forum promove desde 2013 em conjunto com a consultora Accenture a elaboração do Global Energy Architecture Performance Index, que visa avaliar o desempenho integrado de um vasto conjunto de países em termos de política energética.
Os resultados da edição de 2015 bem como a metodologia por trás da construção do índice EAPI foram agora publicados (ver aqui e aqui) e Portugal aparece na 10ª posição, estando em 6º lugar entre países membros da União Europeia.



O EAPI é um índice compósito que resulta da avaliação de três outros índices compósitos relativos a Desenvolvimento Económico, Sustentabilidade Ambiental e Segurança de Abastecimento Energético, sendo cada um deles composto por um conjunto mais vasto de indicadores, como se pode compreender da leitura do documento de suporte à metodologia.
O relatório merece uma análise cuidada no sentido de se compreender a sua estrutura e os aspectos positivos e negativos do resultado nacional, que o mesmo resumiu, de forma muito simplista, na seguinte frase:

the restructuring and privatization of former state energy utilities has created a grid better suited to the intermittency of renewable energy sources.

Este tipo de estudos é de enorme relevância para a compreensão das decisões políticas e dos caminhos a seguir, devendo porém os rankings que deles decorrem ser vistos com a importância relativa e o grau de subjectividade que lhe são inerentes. Existem vantagens competitivas naturais de alguns países em detrimento de outros. Por exemplo, o Índice de Intensidade Energética (um dos indicadores que compõem o sub-índice de Desenvolvimento Económico) de um país do Norte da Europa é inevitavelmente superior ao nosso devido à sua realidade climatérica. O próprio relatório do estudo refere que os países mais pequenos tendem a conseguir melhores resultados no EAPI:

Previous work by the World Economic Forum on energy transitions highlighted the fact that faster resource transitions tend to be the preserve of small economies with suitable resources and policies. Large nations with complex energy systems tend to perform less well on the EAPI.

Uma das conclusões interessantes da análise da média dos sub-índices dos 10 primeiros países do ranking é de que o índice de Segurança de Abastecimento Energético apresenta um resultado muito melhor que o de Desenvolvimento Económico (0.89 vs 0.66), dando a entender haver algum desequilíbrio nas prioridades políticas de cada país e maior margem de melhoria nos indicadores de cariz económico (no entanto, só a análise mais profunda dos vários indicadores que compõem os sub-índices permitirá tirar conclusões mais concretas).


segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Evolução do preço dos principais combustíveis rodoviários (2004-2014) - Parte 2/2

Na sequência da análise preliminar feita aqui, segue uma análise mais técnica da (co-)relação entre os preços dos combustíveis rodoviários e o preço do petróleo.

É curioso constatar que nas 574 observações analisadas (observações semanais entre 2004 e 2014), o número de semanas em que houve aumentos de preços foi praticamente idêntico ao número de semanas em que houve descidas (nos preços dos três produtos).

Movimento
Gasolina
Gasóleo
Brent
Subida
52%
51%
49%
Manutenção
6%
5%
0%
Descida
42%
44%
51%
Quadro 2 – Percentagem de casos de subida, descida e manutenção de preços para a gasolina 95, gasóleo e Brent

Como é expectável que, dado o processo produtivo dos combustíveis, as oscilações do preço do crude não tenham impacto imediato no preço dos combustíveis calcularam-se as correlações admitindo diversos desfasamentos temporais (em semanas).

Desfasamento
Gasolina
Gasóleo
0 semanas
0,979
0,979
1 semana
0,982
0,984
2 semanas
0,979
0,984
3 semanas
0,973
0,981
Quadro 3 – Coeficientes de correlação entre o preço dos combustíveis e o preço do Brent (valores absoluto de 1 significa correlação linear perfeita e 0 significa ausência de correlação)

Os coeficientes de correlação são sempre superiores a 0,97 (pelo menos até às 3 semanas de desfasamento). O desfasamento de uma semana é o que origina maiores coeficientes de correlação nos dois combustíveis, algo que é claramente confirmado quando se repete a análise das séries em diferença e em taxas de crescimento. A estimação de modelos econométricos permite confirmar que os preços de uma determinada semana são significativamente afectados pela evolução verificada para o crude nessa semana e nas três anteriores mas o maior impacto vem do preço do crude da semana anterior. Há também forte evidência que suporta uma relação de longo prazo entre o preço dos combustíveis e o preço do Brent que aponta para que, em média, o preço da gasolina varie 0,7 cêntimos por litro por cada Euro de variação de um barril de Brent e 0,8 cêntimos por litro no caso do gasóleo.

Focando-nos na resposta dos preços dos combustíveis a variações ocorridas no preço do crude da semana anterior, observa-se o seguinte:


 Figuras 4 e 5 – Gráficos de dispersão que comparam a variação do preço do crude na semana t-1 com a variação do preço da gasolina e do gasóleo, respectivamente, na semana t

A correlação é clara e corrobora que variações do preço do crude têm um impacto ligeiramente superior no preço do gasóleo que no preço da gasolina. Outro aspecto que sai desta análise é que, em média, se verifica que o preço dos combustíveis sobe (entre 0,02 e 0,03 cêntimos por litro a cada semana) independentemente da subida ou descida do crude. Mas convém não esquecer que esta análise se refere a apenas um desfasamento e que quando se analisam a totalidade dos desfasamentos significativos a constante não é significativamente diferente de zero.

Os quadrantes Noroeste e Sudeste dos gráficos representam os casos em que as variações dos preços tiveram direcções opostas e, no caso desta análise desfasada em uma semana, o número de casos em que os combustíveis sobem quando o crude desce é ligeiramente superior ao do fenómeno oposto.

Estimou-se um modelo simples para permitir reunir evidência que confirme se as variações, apenas com desfasamento de uma semana, são idênticas para as subidas e para as descidas do crude. O modelo econométrico estimado valida a hipótese de assimetria da resposta (mas convém recordar que estamos apenas a analisar o desfasamento mais importante e não uma análise total que se revestiria de maior complexidade). Só que, ao contrário da opinião mais comum, as evidências vão no sentido de uma maior sensibilidade dos preços nas descidas do que nas subidas.




Figuras 6 e 7 – Funções estimadas para a relação entre a evolução dos preços da gasolina e do gasóleo com o preço do crude no momento t-1 com base em observações semanais entre 2004 e 2014

Em média, o preço da gasolina é 3 vezes mais sensível nas descidas do que nas subidas ao passo que o gasóleo é 2 vezes mais sensível na primeira situação do que na segunda. No quadro seguinte mostra-se qual foi, em média, o impacto nos combustíveis de variações no preço do crude com base nos resultados deste modelo (limitado).

Sensibilidade média dos preços a variações no preço do Brent (EUR)
Variação Brent
(EUR/barril)
Variação Gasolina
(EUR/litro)
Variação Gasóleo
(EUR/litro)
-10
-0,043
-0,036
-5
-0,020
-0,017
-2
-0,007
-0,006
-1
-0,002
-0,002
0
0,002
0,002
1
0,004
0,004
2
0,006
0,006
5
0,011
0,011
10
0,019
0,021
Quadro 4 – Simulação das variações nos preços dos combustíveis com base nas funções estimadas

Em resumo, da análise realizada é possível demonstrar que em Portugal:
·    O preço dos combustíveis antes de impostos se encontra fortemente correlacionado com a evolução do preço do Brent
·    No cálculo dos preços dos combustíveis está contida informação da evolução do preço do crude até, pelo menos, às 3 semanas anteriores
·         O preço do crude na semana anterior à fixação de um novo preço é o que tem maior peso
·      Não existe evidência de que os preços dos combustíveis sejam mais sensíveis às subidas do que às descidas no preço do crude

Com base nestes resultados pode concluir-se que a fiscalidade tem servido de filtro do sinal de preços que é percepcionado pelos consumidores. Se é verdade que traz o benefício de reduzir a volatilidade nos preços, também é verdade que tem um impacto muito significativo no preço final com as devidas consequências nas opções de consumo e poupança bem como o efeito de transmitir a ideia de uma desconexão entre o preço do petróleo bruto e dos combustíveis.