Energy

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quinta-feira, 11 de maio de 2017

Perspectivas sobre veículos eléctricos – Parte 3


Resumindo, os veículos eléctrico são mais eficientes no tank-to-wheel mas perdem no well-to-tank e ainda revelam limitações de eficiência devido ao peso das baterias.

A baixa densidade energética das baterias (energia disponibilizada por cada kg) quando comparada com a do gasóleo ou gasolina tem sido a principal desvantagem da tecnologia eléctrica. O maior peso implica desde logo a necessidade de energia para as mover e consequentemente numa menor autonomia dos VE. Só recentemente começaram a ser instaladas baterias que permitem aproveitar com algum sucesso a vantagem dos motores eléctricos e assim obter uma relação peso-potência dos modelos eléctricos do tipo plug-in já seja mais próxima da dos VC (ver quadro 2 do post anterior). Ainda assim, a questão da autonomia prevalece e ainda por cima acompanhada de outra desvantagem do VE plug-in que é a velocidade de reabastecimento. Estão em marcha alguns projectos-piloto no sentido de acelerar os tempos de recarga não existindo ainda um standard de carga rápida que permita equiparar a velocidade de reabastecimento à de um automóvel de combustão. Os tempos de reabastecimento variam conforme a tensão e potência aplicada bem como do tipo de corrente (alternada ou contínua). O carregamento para 100kms alcance pode variar entre 8 horas e 10 minutos (fontes aquiaqui e aqui). São valores ainda distantes do que é possível fazer com VC. Estão também em curso projectos de sistemas de troca de bateria que permitem encurtar o tempo de reabastecimento para tempos muito próximos dos reabastecimentos de combustível. No entanto, estas experiências deparam-se com elevadas exigências de capital que comprometem a viabilidade económica deste tipo de solução e pouca receptividade do público.


Importa também analisar a competitividade económica do paradigma eléctrico face à actual cadeia dos combustíveis fósseis. A referida competitividade está com a competitividade da cadeia de valor desde a sua fonte primária até chegar ao consumidor final. Comparando o custo médio , sem o efeito fiscal, por MWh da electricidade para o consumidor no caso mais favorável (consumidoresindustriais) com o do gasóleo simples, também sem o efeito fiscal, o gasóleo e a gasolina são 30% mais baratos que a electricidade no caso de Portugal. Mas, convertendo estes valores para energia final temos um custo de 0,12 €/kWh para os VE e cerca de 0,37 €/kWh para os VC (usando os factores de eficiência tank-to-wheel calculados anteriormente - 70% para os VE e 16% para os VC). Ou seja, do ponto de vista económico o “combustível” electricidade já é mais competitivo que os combustíveis fósseis mantendo-se inclusive este resultado caso se entre em linha de conta com a fiscalidade.

O uso da electricidade como fonte de energia no sector dos transportes tem ainda outra vantagem que é a menor dependência das oscilações no preço do crude uma vez que o mix de energias primárias utilizado pelo sistema electroprodutor permite acomodar as fontes de energia mediante o seu preço e disponibilidade de modo a garantir um custo mais eficiente possível. Por outro lado, pela sua dimensão, as grandes centrais acabam por conseguir melhores desempenhos técnicos e económicos do que outras fontes geradoras de muito menor dimensão (como é o caso dos motores de combustão dos automóveis).

Outros factores económicos a ter em conta na comparação entre os dois tipos de veículos são o custo de aquisição, manutenção, seguros e custo dos equipamentos ou serviços de carga. Diversos estudos (aqui e aqui) indicam que uma vez que o custo de aquisição dos VE é superior (essencialmente devido ao custo das baterias) ao do VC equivalente e uma vez que o ciclo de vida das baterias é relativamente curto, o investimento anualizado dos VE acaba por ser ainda mais elevado que o dos VC. Os seguros de VE são também comparativamente mais caros, embora nalguns países estes sejam subsidiados. Os custos associados à recarga também devem ser tidos em conta. Caso as estações de carga se venham a revelar o método mais corrente de reabastecer os VE o custo destas infraestruturas terá de ser diluído pelos diversos utilizadores e, uma vez que o número de utilizadores por estação é ainda muito baixo, o custo associado é significativo. Mesmo que o padrão passe a ser a instalação de carregadores domésticos para carregamentos nocturnos, o custo associado é ainda elevado (a partir de 600 USD) que acrescem ao montante de investimento associado ao VE. A velocidade do progresso tecnológico e as soluções inovadoras de aproveitamento de sinergias ditará o ritmo de redução dos custos associados às infraestruturas de recarga e sua aplicabilidade prática.



No vector ambiental não é líquido que o VE permita sempre uma redução da pegada ecológica. As emissões associadas ao fabrico de VE são sempre superiores aos dos VC por via do fabrico das baterias que é energia intensivo e envolve materiais poluentes que podem ser problemáticos não só no fabrico como também na reciclagem das baterias. Como tal, para que haja lugar a uma redução da pegada ecológica por parte dos VE, durante o resto do ciclo de vida as suas emissões terão de ser significativamente inferiores às dos VC. Para que tal aconteça, o mix energético da rede eléctrica é crítico. Em países mais desenvolvidos onde o peso das energias renováveis é substancial, o balanço final torna-se positivo mas no caso de países em vias de desenvolvimento onde predomina ainda a produção eléctrica à base de carvão, a pegada ecológica do VE acaba por ser superior. A progressiva substituição de centrais a carvão por outras menos poluentes ou mesmo fontes renováveis é a solução que permite maximizar o benefício ecológico dos VE. Ora, uma forte penetração de VE eléctricos implica um aumento de consumo de electricidade (em particular no período nocturno) o que pressiona a que o mix de produção de electricidade se ajuste para centrais de tipo não-intermitente e com menores custos possíveis. As soluções menos onerosas para o custo do kWh são as centrais nucleares e a carvão que são consideradas indesejáveis pela maioria dos ambientalistas. Outra solução seria a opção pelas centrais a gás natural que parece ser a solução de compromisso. Mas retirar da equação fontes primárias como o carvão ou o nuclear é desvantajoso para a flexibilidade do sistema, diversificação de fontes e pode impor pressão sobre o preço da electricidade. A concretizar-se a desactivação de centrais a carvão o preço desta matéria-prima (já de si relativamente barata) descerá significativamente criando-se um custo de oportunidade enorme que poucos países serão capazes de resistir em nome da competitividade das suas economias.


Conclusão

Os veículos eléctricos (VE) estão rapidamente a ombrear com os veículos convencionais (CV). Do ponto de vista da eficiência energética e do custo por quilómetro percorrido os modelos mais recentes apresentam-se já mais competitivos que os veículos convencionais e é consensual que a margem de progressão é ainda muito significativa. Os principais entraves que impedem ainda a massificação dos VE são o custo associado aos mesmos (aquisição manutenção e substituição de baterias), a menor autonomia e os tempos de recarga significativamente superiores aos dos VC. Do ponto de vista ambiental, e uma vez que a pegada ambiental da construção de um veículo eléctrico é ainda superior ao dos VC – devido essencialmente ao fabrico das baterias – os VE só compensam esta desvantagem se durante a sua vida útil gerarem menos emissões. Tal pode ser conseguido por: aumento da vida útil esperada das baterias e um mix energético na produção de electricidade com baixo nível de emissões.
Os VE vão obrigar a repensar o mix energético ponderando os vectores económico e ambiental para o qual se apresentam dilemas difíceis de resolver e a dinâmica do progresso tecnológico poderá mudar as regras do jogo inesperadamente.




sexta-feira, 31 de março de 2017

Perspectivas sobre veículos eléctricos – Parte 2



A primeira comparação a realizar entre veículos convencionais e eléctricos será a eficiência energética do combustível. Nesta comparação há que ter em conta dois aspectos principais: a densidade energética e a eficiência tank-to-wheel. A densidade energética define quanta energia está contida numa determinada unidade física de combustível. No caso de um combustível fóssil o exercício é relativamente simples de fazer pois tal estará ligado às suas propriedades químicas. No caso do gasóleo o conteúdo energético situa-se em torno dos 13 700 Wh/kg enquanto que a gasolina andará pelos 12 200 Wh/Kg. No caso dos veículos eléctricos não se pode comparar directamente com o peso dos electrões mas sim das baterias que “geram” o seu fluxo. Nos últimos anos tem-se assistido ao aumento considerável a densidade energética das baterias eléctricas pelo que os valores actuais – 250Wh/kg para as baterias de Lítio-Enxofre e 400 Wh/kg para as baterias de Sódio. Não só a densidade energética é manifestamente inferior no caso das baterias como os veículos suportam sempre o mesmo peso quer elas estejam carregadas ou descarregadas.

Para comparar a eficiência total de cada tipo de veículo há que considerar outros factores como sejam o peso dos elementos mecânicos responsáveis pela impulsão do veículo e o peso médio do veículo entre cada carga. Os motores eléctricos têm uma relação potência/peso muito superior ao dos motores de combustão – os motores eléctricos para uso em automóveis de alta performance atingem os 8,8 kW/kg ao passo que os equivalentes nos motores de combustão atingem apenas 3,7 kW/kg. Apesar de se referirem a modelos de alta performance, estes números dão-nos uma ideia da diferença nos rácios peso potência dos dois tipos de motor. Além desta vantagem, os veículos eléctricos possuem ainda a vantagem de necessitarem de menos elementos mecânicos para além do motor. A maior simplicidade mecânica de motor e transmissão dos veículos eléctricos é a razão para o diferencial observado em termos de eficiência energética. Por isso, a eficiência energética dos motores eléctricos com um grau de eficiência de 90% contra 25% para os motores de combustão. Considerando toda a mecânica o grau de eficiência tank-to-wheel - percentagem de energia entrada no “depósito” que é convertida em movimento - situa-se nos 70% para osVE e 16% a 20% para os VC. Analisando a eficiência energética desde a extracção da energia primária até ser convertida em movimento, os números apontam para um grau de eficiência na ordem dos 30% para os VE e 14% a 18% para os VC o que indica que o processo de obtenção de derivados de petróleo é muito mais eficiente que o da transformação da energia primária em electricidade disponível para o consumo final.


Com base na densidade energética e eficiência mecânica das tecnologias subjacentes é possível calcular a eficiência energia/peso (tank-to-wheel) de cada tipo de combustível bastando multiplicar os dois factores. No caso dos motores de combustão temos eficiências entre 1 800 Wh/kg e 2 750 Wh/kg ao passo que nos veículos eléctricos temos eficiências entre 175 Wh/Kg e 280 Wh/kg. Portanto, a eficiência energia/peso do “combustível” considerada desde que é carregada no veículo até se transformar em movimento é cerca de dez vezes inferior no veículo eléctrico quando comparado com os veículos movidos a motor de combustão. Mas, apesar da desvantagem ao nível da eficiência energia/peso, os motores eléctricos apresentam eficiências energéticas (grau de transformação da energia recebida em movimento) muito superiores aos dos motores de combustão. Esta vantagem permite que os automóveis eléctricos tenham consumos comparáveis muito inferiores aos veículos convencionais (VC) equivalentes (na ordem dos 50%).


Quadro 1 – Comparação de consumos de energia por 100km percorridos
Modelo (combustão)
kW (cv)
l/100km
Modelo (eléctrico)
kW (cv)
l/100km
77 (105)
4,2
83 (111)
2,0
82 (110)
3,9
85 (115)
2,0
110 (150)
4,1
107 (143)
2,3
97 (130)
7,4
92 (123)
2,0
110 (150)
5,7
115 (154)
3,1
Nota: Consumos combinados anunciados pelo fabricante

Concluindo, a desvantagem dos carros eléctricos ao nível da densidade energética do seu “combustível” acaba por ser compensada pelas vantagens ao nível mecânico que proporcionam não só menor peso como uma melhor relação peso-potência ao nível do motor. De facto, verifica-se que, em termos de relação potência-peso total, os VE tendem a situar-se um pouco acima dos veículos convencionais com potências semelhantes.


Quadro 2 – Comparação de relação peso/potência
Modelo (combustão)
kW (cv)
kg
W/kg
Modelo (eléctrico)
kW (cv)
kg
W/kg
77 (105)
1380
55,8
83 (111)
1350
61,5
82 (110)
1378
59,5
85 (114)
1585
53,6
110 (150)
1350
81,5
107 (143)
1651
64,8
97 (130)
1140
85,1
92 (123)
1475
62,4
116 (155)
1620
71,6
115 (154)
1830
62,8


Tudo indica que com o desenvolvimento das performances dos motores eléctrico e, em maior medida, da redução do peso específico das baterias, os veículos eléctricos ganharão a corrida da competitividade técnica nos próximos 10 anos.





sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

Perspectivas sobre veículos eléctricos – Parte 1


Um dos assuntos na mesa de quem debate e reflecte sobre o futuro da energia no mundo é, sem dúvida, o impacto dos veículos eléctricos. É sabido que o maior sorvedor de derivados do petróleo é o sector dos transportes (65% dos produtos petrolíferos consumidos em 2014 segundo a AIE) e a ele está associada a maior fatia de emissões com origem no crude. Com a crescente consciencialização da opinião pública e do poder político de que é necessário inverter esta tendência, os veículos eléctricos são encarados como uma tecnologia desejável para mitigar os impactes ambientais do sector dos transportes garantindo, ao mesmo tempo, que as necessidades de mobilidade não sejam sacrificadas. Os últimos 10 anos foram absolutamente fervilhantes no que toca à evolução da tecnologia de geração renovável bem como dos veículos eléctricos assistindo-se a uma “corrida” pela liderança tecnológica no sector automóvel.

Como tal, a análise do estado da arte do veículo eléctrico é agora uma realidade relativamente complexa (com tendência a complexificar-se ainda mais) e dinâmica. A presente série de artigos pretende resumir os pontos mais relevantes na matéria do veículo eléctrico com especial enfoque na competitividade tecnológica, económica e ambiental que são, no meu entender, os vectores decisivos na evolução do carro eléctrico nas próximas décadas.

Em primeiro lugar há que fazer uma descrição das tecnologias com maior expressão no mercado começando por uma classificação dos tipos de veículos terrestres com motor eléctrico:


  •      Automóveis híbridos: Neste tipo de veículos o motor eléctrico é utilizado sempre haja carga e sempre que a utilização deste seja mais eficiente (por exemplo: arranques). A gestão entre motor de combustão e eléctrico é feita por um computador que acciona automaticamente cada um deles. O carregamento da bateria é feito nas situações de travagem em que o circuito do motor eléctrico é invertido de maneira a que se comporte como um gerador que vai fornecer corrente às baterias.
  •       Automóveis plug-in híbridos: o carregamento da bateria tanto pode ser feito aproveitando a travagem como através de ligação à rede eléctrica. Este tipo de veículo está vocacionado para funcionar no modo eléctrico na maior parte do tempo sendo o motor de combustão usado como backup caso a autonomia da bateria se esgote;
  •      Automóveis plug-in: Estes são os veículos eléctricos puros que dependem totalmente das baterias para se moverem. São por isso menos poluentes durante a condução mas com uma autonomia mais reduzida que um veículo equivalente com motor de combustão – entre 50 a 160 km na maioria dos modelos disponíveis embora alguns modelos e protótipos já tinjam valores próximos de 500km;

O aspecto mais crítico na utilização dos veículos eléctrico no dia-a-dia será o reabastecimento dos mesmos. O acesso a infraesrtuturas de carregamento das baterias é fundamental para a massificação da utilização de VE. Neste momento podemos classificar as tecnologias de carregamento de veículos como:


  • Carregadores residenciais: a infraestrutura de carregamento está desenhada para ser ligada às redes que abastecem as residências. O carregamento é feito durante as horas em que o carro se encontra estacionado em casa, predominantemente à noite;
  • Carregadores públicos: infraesrtuturas situadas em locais públicos dedicadas a estacionamento de viaturas aos quais qualquer veículo se poderá ligar. Em alguns locais não há custo associado enquanto noutros é cobrada uma tarifa;
  • Estações de carregamento rápido: infraestruturas semelhantes a estação de serviço onde as baterias são carregadas através de tecnologias de alta tensão que permitem um carregamento mais rápido comparativamente às estações a baixa tensão;
  • Estações de troca de baterias: Nestas infraestruturas é efectuada a troca das baterias procurando obter a carga completa dos veículos da forma mais rápida possível.

O artigo seguinte debruçar-se-á sobre a competitividade tecnológica dos automóveis eléctricos face aos automóveis convencionais.



terça-feira, 28 de abril de 2015

Geração descentralizada: o futuro? (Parte 2)

No entanto, a produção descentralizada em larga escala acarreta alguns desafios importantes:

-  Será necessária a adaptação tecnológica de toda a rede a esta nova realidade (contadores inteligentes, instalações capazes de entregar e receber electricidade da rede, redes capazes de lidar com inversões de fluxos, novas tecnologias para protecção da rede e detecção de defeitos…). Esta adaptação não é isenta de custos no actual estado da arte.
-   Se por um lado a produção localizada pode aliviar a rede e reduzir as perdas, por outro lado, no caso de produção de volumes muito acima das necessidades de consumo locais ou de produção que não esteja ligada a redes próximas de pontos de consumo, os fluxos de energia carregados na rede podem vir a gerar níveis de perdas superiores;
-  Os novos geradores terão de possuir sistemas de controlo da qualidade da energia produzida (flickes, harmónicas, reactiva)
-  Risco de geração de custos afundados uma vez que o novo paradigma pode tornar obsoletas instalações que ainda poderiam funcionar por mais alguns anos. Uma vez que esta transformação durará previsivelmente alguns anos este risco parece-me relativamente limitado.
-    A perda de previsibilidade dos fluxos por parte dos operadores das redes de distribuição gera riscos adicionais na realização de operações de manutenção e reparação na rede.
-  Tal como tem vindo a acontecer com a nova vaga de produção renovável em Portugal, a imprevisibilidade da geração “verde” gera desvios em relação aos programas horários de operação do sistema eléctrico e cuja resolução envolve custos com a utilização de serviços auxiliares.


Finalmente põe-se a questão do preço a que esta “nova energia” será paga. Assumindo uma subsidiação meramente residual (que reconheça as externalidades positivas a nível ambiental e não só mas que as concilie com o desejo de uma factura eléctrica mais baixa) a lógica da competitividade de cada tecnologia contribuiria para que se evitassem excessos ou decisões que prejudiquem o bem estar global da sociedade. As tecnologias que provem ser mais competitivas que as tradicionais ganharão progressivamente quota em função dessa mesma competitividade.


No entanto, mesmo sendo superados os desafios antes enunciados, antevê-se pouco provável a inversão do paradigma actual. A escala e grau de especialização de grandes centro produtores - que poderão ter acesso à mesma tecnologia adoptada pela microgeração e em melhores condições - leva-me a duvidar que o paradigma da produção descentralizada venha fazer desaparecer os grandes produtores à escala global. O tecido empresarial e o mercado de trabalho têm, desde há séculos, convergido para uma cada vez maior especialização dos agentes. Os grandes projectos de geração não deixarão passar ao lado os ganhos de competitividade trazidos pela inovação tecnológica pelo que uma nova visão que ambicione tamanha inversão da realidade talvez precise de ser repensada.

terça-feira, 24 de março de 2015

Geração descentralizada: o futuro? (Parte 1)


Um tema quente no debate sobre o paradigma que dominará este século é o da produção descentralizada de electricidade (Distributed Generation). Não existe uma definição consensual do que é produção descentralizada mas poder-se-á dizer que se trata de um tipo de produção em que cada gerador terá uma escala relativamente pequena, ligada à rede de distribuição existente e que visa suprir as necessidades de consumo do(s) seu(s) proprietário(s) e/ou a sua comercialização (no total ou em parte). Actualmente as tecnologias existentes assentam em pequenos motores de combustão (gás ou outros combustíveis) ou fontes renováveis (solar, eólicas ou hídricas). Numa fase de maturidade, o grosso da produção eléctrica seria realizado por produtores anónimos e atomizados e os grandes geradores e operadores de sistemas teriam apenas o papel de regulação da carga e correcção das divergências entre procura e oferta.

As vantagens e selling points deste paradigma seriam:

-    Maior concorrência no sector da geração e em especial entre tecnologias de produção eléctrica;
-  Melhor aproveitamento de recursos endógenos, uma vez que a microgeração de tipo renovável tende a envolver menores recursos e menor complexidade logística;
-    Diminuição de emissões poluentes;
-   Diminuição das perdas nas redes uma vez que este paradigma aproxima a produção dos pontos de consumo, evitando enormemente as perdas nas redes de transporte e distribuição que se podem situar em torno dos 10% - 20%;
-  Redução da necessidade de investimento em grandes linhas de transporte de electricidade;
- Aumento da procura de micro-geradores poderá
criar economias de escala que tornem o MW instalado mais barato do que as actuais instalações (desenhadas e fabricadas à medida para cada caso e não em série).
-    Uma menor sobrecarga das redes levaria a melhores índices de continuidade de serviço


Nesta nova realidade os agentes deixam de estar divididos entre produtores, operadores e clientes passando a haver consumidores/produtores (prosumers). Esta alteração altera toda a lógica do sistema de alto a baixo... literalmente. Actualmente os fluxos de electricidade são praticamente unidirecionais e os operadores vêm apenas geradores de carga e produtores de energia. Com a distribuição descentralizada, a todo o momento um consumidor pode passar a ser um produtor e a gestão da rede terá de se acomodar à nova realidade. Actualmente os operadores de rede já se deparam com versões embrionárias destes consumidores/produtores mas mas ainda numa escala relativamente pequena. É o caso dos cogeradores, alguma microgeração (ainda incipiente) e os grupos reversíveis (ainda que actualmente funcionem numa lógica centralizada). Aos poucos os gestores e planeadores do sistema eléctrico vão começando a antecipar uma hipótese do que será o futuro.

(continua)