Estamos a poucos dias do final de 2014 e os últimos 5 meses foram uma autêntica vertigem no mundo do petróleo, com o Brent a descer dos $110/bbl de Julho para os $60/bbl em que estabilizou em meados de Dezembro. Em simultâneo assistimos também a um fortalecimento do dólar americano face à generalidade das moedas (no mesmo período o Euro caiu 10% face ao USD).
A pergunta para que todos gostariam de ter resposta é qual será o preço do crude daqui a um ano. Muitos especialistas em energia têm enchido páginas e ecrãs com a sua análise dos factos e a sua previsão do futuro próximo. Nesse registo recomendo a leitura do artigos "Black Gold and Black Swans", de Keith Johnson, na Foreign Policy e "Oil Price Scenarios for 2015 and 2016", de Euan Mearns, no site Oil Price. Ambos procuram identificar os balanços entre oferta e procura mundiais em 2015. Se a evolução da procura apresenta uma forte correlação com alguns indicadores macroeconómicos (como o crescimento do PIB), a oferta está mais dependente de fenómenos e decisões menos previsíveis e que Johnson procura listar.
A falta de capacidade financeira decorrente da queda do preço do crude pode ter várias consequências negativas para os países produtores de petróleo. A estabilidade política em muitos desses países é habitualmente comprada com a receita da venda do ouro negro que vai parar - normalmente de forma assimétrica - aos bolsos dos cidadãos. Desde as chamadas políticas sociais (jargão que serve para justificar quase todas as medidas, muitas delas populistas, que visem manter as massas populares satisfeitas independentemente da sua bondade futura) ao orçamento das forças armadas ou à distribuição de rendimentos chorudos pelas elites de poder, tudo é financiado pelo petróleo e a redução dessa receita pode catalisar a ocorrência de revoltas, insurreições e golpes de estado que habitualmente conduzem a perdas súbitas de produção.
Como a recuperação de produção é quase sempre lenta e incremental e as perdas de produção quase sempre rápidas e expressivas, a incerteza associada à oferta é muito maior para baixo (menor produção) do que para cima (maior produção), conduzindo a cenários de produção futura assimétricos. Adicionalmente, quanto mais tempo passar com o crude a baixo preço maior parece ser a probabilidade de ocorrerem perdas de produção, no que podemos chamar de sistema involuntário de auto-ajustamento.
Assim, num mundo em que nada de anormal acontece os preços devem continuar baixos na medida em que é visível um excedente produtivo mundial com o forte aumento da produção nos EUA, que deverá demorar cerca de 2 anos a absorver pelo consumo mundial.
No entanto, coisas anormais acontecem com uma frequência estranhamente normal, e qualquer disrupção significativa poderá reduzir fortemente o excedente produtivo e fazer disparar os alarmes dos mercados, gerando uma súbita espiral de subida do crude. Esta parece, por tudo isso, uma boa altura para ir às compras...
Energy
segunda-feira, 29 de dezembro de 2014
domingo, 21 de dezembro de 2014
Equívocos comuns na análise da queda do crude
Os mercados são por definição alérgicos à incerteza. Não saber o que vai acontecer amanhã deixa os investidores nervosos, retraídos, com tendência para guardar o dinheiro debaixo do colchão. Não da Pikolin mas quase, pois acaba por ir parar habitualmente à dívida de países com economias seguras, como a Alemanha, com retornos perto do zero. Esta é, a meu ver, a principal consequência negativa da queda acelerada do preço do crude, que está a abalar fortemente a economia dos países produtores, em especial daqueles com economias muito pouco diversificadas e com execuções orçamentais completamente dependentes desta variável exógena. Os agentes económicos, em especial em áreas de investimento de longo prazo, precisam de estabilidade que lhes permita ter garantias de retorno. Quando ela não existe, muitos investimentos são suspensos (apenas para serem retomados alguns anos depois, quando o vento mudar). Em síntese, incerteza=>risco=>redução do investimento=>recessão.
Mas este é apenas um dos lados da moeda. Em primeiro lugar há que compreender as causas para esta queda do preço do crude e elas não estão apenas do lado da procura, que poderia significar uma retracção súbita da economia mundial. Boa parte do contributo para o desequilíbrio entre oferta e procura deveu-se ao forte aumento não totalmente previsto da produção nos EUA a partir do óleo/gás de xisto. Este aumento nada teve a ver com tendências recessivas, foi puro desenvolvimento tecnológico que, pela abundância gerada, permitiu baixar o custo da energia. E isso é estruturalmente bom para a economia global. Se nos perguntarem se preferimos o crude a $10/bbl ou a $200/bbl (não tendo em conta as previsíveis consequências futuras nos investimentos do sector) a nossa resposta parece óbvia. Por isso, qual é o drama? Claro que partes relevantes da economia estão a ser abaladas por esta queda, em especial nos países produtores (como já referi acima) e em todo o sector relacionado com a exploração e produção destas matérias-primas. Para muitas empresas portuguesas pode ser negativo pela acrescida exposição à economia angolana, por exemplo. Mas a grande maioria dos sectores de actividade são afectados positivamente por esta queda do custo da energia. Se a queda do crude pode estar parcialmente relacionada com alguma retracção económica, um custo energético mais baixo apenas pode potenciar crescimento económico face ao cenário base. Os países importadores de energia vão poupar triliões de dólares que ficarão disponíveis para investimento em outros sectores.
Se há algo de preocupante em relação a esta queda do preço do crude, não são as consequências imediatas da mesma mas o facto de esta não ser sustentável. Estruturalmente, a longo prazo e tendo em conta o custo médio de exploração em novos locais, o crude deverá andar em torno dos $100/bbl. Um período anormal de preço mais abaixo vai provocar o atraso em investimentos fundamentais para o futuro do aprovisionamento e, em simultâneo, um atraso nos investimentos em alternativas pois o crude barato é como um eucalipto que seca tudo à sua volta. Muitos investimentos em curso serão suspensos, o que deverá potenciar uma escalada a médio prazo que acabará por levar o crude para valores muito superiores aos $100/bbl, com as consequências sociais e políticas de tais variações. O que hoje sofrem os países produtores voltarão a sofrer os consumidores (e em especial a UE) dentro de alguns anos, quando a procura mundial engolir os excedentes actuais.
Mas este é apenas um dos lados da moeda. Em primeiro lugar há que compreender as causas para esta queda do preço do crude e elas não estão apenas do lado da procura, que poderia significar uma retracção súbita da economia mundial. Boa parte do contributo para o desequilíbrio entre oferta e procura deveu-se ao forte aumento não totalmente previsto da produção nos EUA a partir do óleo/gás de xisto. Este aumento nada teve a ver com tendências recessivas, foi puro desenvolvimento tecnológico que, pela abundância gerada, permitiu baixar o custo da energia. E isso é estruturalmente bom para a economia global. Se nos perguntarem se preferimos o crude a $10/bbl ou a $200/bbl (não tendo em conta as previsíveis consequências futuras nos investimentos do sector) a nossa resposta parece óbvia. Por isso, qual é o drama? Claro que partes relevantes da economia estão a ser abaladas por esta queda, em especial nos países produtores (como já referi acima) e em todo o sector relacionado com a exploração e produção destas matérias-primas. Para muitas empresas portuguesas pode ser negativo pela acrescida exposição à economia angolana, por exemplo. Mas a grande maioria dos sectores de actividade são afectados positivamente por esta queda do custo da energia. Se a queda do crude pode estar parcialmente relacionada com alguma retracção económica, um custo energético mais baixo apenas pode potenciar crescimento económico face ao cenário base. Os países importadores de energia vão poupar triliões de dólares que ficarão disponíveis para investimento em outros sectores.
Se há algo de preocupante em relação a esta queda do preço do crude, não são as consequências imediatas da mesma mas o facto de esta não ser sustentável. Estruturalmente, a longo prazo e tendo em conta o custo médio de exploração em novos locais, o crude deverá andar em torno dos $100/bbl. Um período anormal de preço mais abaixo vai provocar o atraso em investimentos fundamentais para o futuro do aprovisionamento e, em simultâneo, um atraso nos investimentos em alternativas pois o crude barato é como um eucalipto que seca tudo à sua volta. Muitos investimentos em curso serão suspensos, o que deverá potenciar uma escalada a médio prazo que acabará por levar o crude para valores muito superiores aos $100/bbl, com as consequências sociais e políticas de tais variações. O que hoje sofrem os países produtores voltarão a sofrer os consumidores (e em especial a UE) dentro de alguns anos, quando a procura mundial engolir os excedentes actuais.
quarta-feira, 3 de dezembro de 2014
A Arabia Saudita quer que os preços caiam?
Depois de excelentes artigos por parte do Diogo Almeida, decidi dar a minha opinião sobe o que está a fazer com que os preços do crude continuem a baixar vertiginosamente.
Em primeiro lugar, na minha opinião estamos a assistir a um “braço-de-ferro” entre a OPEP e os Estados Unidos sendo que a premissa básica é a de que os preços estão a cair porque a Arábia Saudita (principalmente) quer que caiam.
Algumas pessoas terão ficado certamente surpreendidas com o resultado da última reunião da OPEP em Viena (i.e. anúncio que não iam “cortar” na produção) mas a mim parece-me ser uma conclusão lógica para uma estratégia concertada de desviar fundos dos projectos de “shale” (xisto) que estão a ser desenvolvidos nos Estados Unidos.
De um ponto de vista objectivo, a baixa do preço do petróleo afecta em grande medida as contas sauditas uma vez que o seu orçamento depende, em grande medida, das receitas petrolíferas. Dado este facto, não parece fazer sentido, à primeira vista, que a Arábia Saudita esteja deliberadamente a contribuir para a baixa dos preços ao não “diminuir” a sua produção. Porém, se olharmos para um plano mais geral, talvez faça sentido.
Na minha opinião, a melhor interpretação da situação actual é a de que a actual superprodução da OPEP (liderada pela Arábia Saudita) é, em grande parte, uma tentativa de desencorajar o investimento em shale, e assim retardar o seu crescimento.
O principal alvo parecem ser os Estados Unidos, onde a produção de shale está a crescer imenso (500 mil bpd em 2008 - 4 milhões de bpd actualmente). Se utilizarmos como preço de referência os 100 USD por barril, isto equivale a cerca de 400 milhões de USD por dia que não estão a “voar” para os cofres saudias. Multiplicando estes valores por vários meses é fácil de perceber o quanto esta situação afecta as finanças sauditas...
Ao contrário dos projectos convencionais, os projectos de shale são muito mais voláteis, no curto prazo, a flutuações de preço. Esta volatilidade resulta de (i) estes projectos exigirem, tipicamente, um elevado investimento de capital inicial e (ii) serem muito mais rápidos em termos de estruturação, inicio e fim do projecto.
Dado o seu perfil, os projectos de shale estão muito dependentes da sua taxa minima de retorno (ROR). Se os riscos forem baixos e os preços forem estáveis, a taxa minima de retorno baixa o que faz com que haja mais capital a entrar para o desenvolvimento de novos projectos.. Em tempos de incerteza e de baixa de preços, a taxa minima de retorno sobe e os investidores começam a deixar de investir.
Conhecendo o perfil destes projectos, parece que a Arábia Saudita está a testar a sensibilidade do shale a variações e flutuações de preço de referência por forma a travar o seu crescimento às custas do desinvestimento em fontes de produção mais “tradicionais”.
Naturalmente que a Arábia Saudita quer preços altos tanto como todos os outros produtores e é expectável que as suas preocupações “orçamentais” a impeçam de permitir que os preços caiam em demasia. Porém, parece-me que a jogada está em tentar garantir preços baixos o tempo suficiente para retirar algum “gás” aos investimentos em shale (o que parece estar a funcionar uma vez que segundo a Reuters, os pedidos de licença para projcos de shale cairam 15% em Outubro).
Só o tempo, “esse grande clarificador”, irá ditar se a estratégia foi bem sucedida ou se, por outro lado, a conhecida resiliência americana irá conseguir transformar esta jogada em “pólvora seca”.
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